segunda-feira, 3 de junho de 2013

Criando NPCs em suas histórias.

Esse foi um post que fiz na comunidade do grupo no Facebook, instruindo um pouco os jogadores a pensarem em laços para os seus personagens. Embora a maior parte deles já tenha de fato criado outros NPCs para suas histórias, como o objetivo desse blog é também falar um pouco de RPG de forma geral e trocar figurinhas, estou postando aqui para vocês também esses conselhos. 

Até mesmo o Arcano que representa o Eremita precisa se relacionar com os outros Arcanos...

Ninguém é uma ilha. O ser humano é um ser social. Todos nos relacionamos com outras pessoas e nossas relações não só refletem quem somos como também moldam a nossa história, muitas vezes num grau bem maior do que reconhecemos ou gostaríamos de reconhecer. Isso deveria ser também verdade para os personagens de vocês, se quisermos ter personagens desenvolvidos e fidedignos. Tristemente, porém, quando vamos criar nossos personagens para algum jogo, normalmente esses coadjuvantes são bastante esquecidos. Uma possível razão para isso é que, na maioria das histórias, eles simplesmente não são necessários e não são usados - para que criar toda uma rede de amizades, amores e rivalidades para o meu personagem se o mestre vai jogar tudo aquilo fora e me mandar numa jornada que ele planejou na aventura antes mesmo de saber que eu ia jogar na mesa dele? Em muitos casos, realmente não faz sentido...

...mas aqui não será o caso. Eu afirmei outras vezes e aproveito aqui para reforçar mais uma vez o compromisso e o pacto com vocês de que aqui serão mais que jogadores, sendo quase "narradores-auxiliares" mesmo. A idéia é que a crônica emane dos personagens de vocês... e para isso, eles precisam ser personagens ricos. Vocês vão ver logo mesmo antes do início do jogo, quando estiverem tentando pensar nas primeiras histórias de vocês e sobretudo na parte de aparecerem como coadjuvantes nas histórias uns dos outros o quanto ter um personagem pobre e raso dificulta o processo. Quanto mais bem detalhado ele for, mais fácil é imaginar situações interessantes que ele viveria e mais fácil é também encaixá-lo em situações que você gostaria que fizessem parte da história. E isso, além de útil, é no final algo agradável também: por mais que o processo criativo em si seja algo cansativo, quando terminamos e olhamos para um personagem bem feito sempre bate aquela sensação de orgulho e satisfação.

Assim, aqui vão algumas diretrizes para vocês incrementarem os personagens de vocês nesse sentido.

Amigos...

Amigos são para essas coisas - especialmente se estiver caindo na Umbra...

Em primeiro lugar, comecemos com a família dele, a unidade social mais básica de cada pessoa e a primeira com quem ela tem contato. Como é a família dele? Ele tem irmãos ou irmãs? Como foi crescer com eles e qual o contato que eles mantém hoje em dia? E quanto a primos e primas, como foi o contato entre eles na juventude e ainda hoje em dia? Pense depois nos círculos de amizade dele; normalmente uma pessoa desenvolve vários círculos de amizade, que vão se renovando a cada transformação e etapa importante da vida do personagem. Primeiro são os amigos do colégio e segundo grau, que normalmente perdemos contato ao entrar na faculdade, depois colegas de trabalho, amigos de namoradas/cônjuges e, no caso dos personagens de vocês, ainda existe uma camada extra que são os amigos que fizeram depois do Despertar para o sobrenatural. Cada vez que ele mudar de cidade ou emprego - caso ele tenha feito isso alguma vez em sua vida - é também um novo círculo de amizades que ele cria. Muitos se vão, alguns retornam, em etapas e estágios diferentes das nossas vidas. Da mesma forma que aquele seu veterano distante na faculdade pode no futuro ter virado seu chefe, quem sabe aquela menina que você deu o seu primeiro beijo no segundo grau virou hoje uma companheira sua de Tradição. E isso nos leva também para outra faceta que pode ser explorada: a vida amorosa/afetiva/sexual do seu personagem. Pense em qual o tipo de gente que ele se sentiria atraído - as vezes são pessoas que não tem nada a ver com ele mesmo. Pense também qual o tipo de gente que ele atrai - e a tristeza da vida é que essas raramente são as pessoas que nos sentimos atraídos.

Isso acaba te forçando a enxergar o seu personagem por diferentes ângulos e pontos de vista, o que por sua vez faz com que vocês "descubram" facetas novas e interessantes sobre os próprios personagens. Como ele é visto por seus pais? Normalmente, de uma forma bem diferente pelo qual ele é visto pelos amigos de segundo grau. Como sua ex-namorada ou seu marido o enxerga? Que tipo de personalidade ele mostra no trabalho, que detalhes só os amigos dele de Tradição conhecem? Conforme você for vendo o seu personagem sob diferentes óticas - e montando a sua rede de contatos - você irá tendo mais insights sobre quem ele realmente é, bem como idéias de situações que poderiam ter acontecido com ele e aventuras que ele poderia se envolver. Por fim, também dará uma boa visão do que ainda falta na vida dele, quais os objetivos ele espera perseguir, quais são as falhas no passado dele que ele tenta reparar e enfim, qual é a história que o futuro o reserva.

...e Rivais!

Não faça inimizades com demônios ancestrais. Não faz bem à saúde.

Por fim, nem só de rosas é a vida, sobretudo no Mundo das Trevas. Muitas inimizades são criadas e pessoas como os Magos tendem a criar ainda mais, pois são pessoas dinâmicas por natureza, que interferem e moldam o mundo ao seu redor. Seja por ter ficado com a garota que alguém estava cobiçando, seja por ter denunciado um colega desonesto no trabalho, as pessoas fazem inimigos. Alguns são simples desafetos menores, pessoas que não se entendem, outros são iras mais fervilhantes. Algumas vezes a pessoa estará distante e não terá muito como te fazer mal, noutras, ela estará com a faca e o queijo na mão, com toda a chance de fazer a vida do seu personagem ruim. Mais ainda, nem sempre a inimizade precisa vir de fora: talvez o seu personagem mesmo odeie alguém com todas as forças pelos motivos dele! Não somos santos e em alguns casos, podemos ser vilões, sendo nós mesmos a causar o mal a outras pessoas - e a Redenção é também um tema importante e interessante no jogo. Aqui, afinal, não é D&D, os personagens de vocês não precisam ser completamente bondosos e protagonista não é sinônimo de herói.

Bom, por hoje essas são as dicas e conselhos que eu teria para dar a vocês. Pensem nelas, por que isso certamente será algo que eu cobrarei nas revisões dos históricos de vocês.

Realidades Consensuais

O post abaixo eu publiquei num fórum do orkut há vários anos atrás. Ele foi trazido à tona por uma discussão que tive com os jogadores durante um dos encontros, em que, explicando sobre a relação entre o Avatar e os diversos magos que ele reencarna. Eu sugeri a eles pensarem em si mesmos como os Avatares dos personagens de RPG que já tiveram. Isso deu um "clique" bem grande em alguns e me fez lembrar desse post, que também explora um pouco essas "meta-relações" do jogo com o próprio jogo.

Ok, vamos relembrar o princípio fundamental do jogo:

A Realidade é um Consenso, formada a partir das múltiplas crenças e percepções dos diferentes indivíduos que dela participam.

É a partir desta premissa que deriva a maior parte a estrutura do jogo. A minha proposta de discussão para este tópico é justamente apontar “conjuntos” que apresentam tal característica e analisar como os elementos do jogo figuram em tais conjuntos

Inicio aqui a discussão com um exemplo básico, mas interessante: as nossas próprias crônicas de Mago.
Penso que boa parte dos princípios do jogo aplicam-se ao próprio jogo. O universo da sua crônica é formado pelo consenso entre você e seus jogadores. Assim como a Realidade de Mago, a sua história pode ser qualquer cousa, mas apenas se você e seus jogadores assim quiserem. É claro, há limites diferentes para cada um; o Narrador pode definir muito mais da Realidade da história que os jogadores, mas ele assim o faz justamente por haver um consenso entre todos que ele será o Narrador e que ele pode fazer tal cousa. Mesmo assim, quando o Narrador abusa <”Como o seu NPC sobreviveu à explosão E correu 3km E ainda fez doze ataques no meu personagem em um turno!?” – mágika/narrativa vulgar?> os jogadores podem reagir e dar um puxão de orelha no Narrador. No extremo, eles deixam de jogar com o Narrador e a história ou acaba, ou passa para as mãos de outra pessoa. Aliás, este é um ponto que eu acho particularmente interessante em Mago: os jogadores possuem um papel mais ativo na narrativa que em qualquer outro jogo, agindo realmente como sub-Narradores, o que nessa analogia poderia indicar que eles também têm um poder de manipular a Realidade quase tão grande como seus personagens dentro do jogo – às vezes até mais – muito embora nem sempre da mesma maneira.

Isso pode dar um nó na sua cabeça, usando o jogo para pensar sobre o próprio jogo...

Em Mago, o que diferencia um Desperto de um Adormecido é que os Despertos têm uma certa consciência de tal natureza consensual da Realidade e, mais ainda, são capazes de agir racionalmente e “argumentar” com os outros avatares, “convencendo-os” do seu ponto de vista da Realidade ; ao passo que os Adormecidos seriam aqueles que simplesmente não têm consciência do que podem fazer, que as suas visões compõem a Realidade. Ao invés de terem um papel ativo e tentarem convencer os outros de suas idéias e visões, são passivos, apenas consentindo ou não com aquilo que lhes é proposto, mas sem jamais ter a capacidade deles próprios sugerirem a sua visão de Realidade.
Isso não parece um pouco com as mesas de jogo que se vê por aí?
Pensem no livro básico como o primeiro consenso que é feito a respeito do universo do jogo. A sua história inicia-se decidindo qual será o sistema que você e seus colegas irão jogar e este é, portanto, um dos primeiros consensos que vocês fazem a respeito desse “mundo”. A trajetória a partir daí, porém, varia enormemente de grupo para grupo, de mesa para mesa. Alguns simplesmente seguem piamente tudo aquilo que está no livro básico como se fosse uma bíblia, sem se importarem com outras considerações. Outros, mudam alguma cousa ou outra do livro, criando algumas “regras da casa”; seja banindo alguma regra apelativa , seja criando eles próprios regras diferentes para uma partida mais interessante, eles acabam estabelecendo uma realidade de jogo diferente da descrita pelo livro básico. E existem ainda aqueles que percebem que os livros e as regras não são dogmas, mas sugestões de ferramentas altamente elásticas que eles adaptam conforme consentirem. Não raro, eles acabam alterando tanto o jogo, chegando uma hora simplesmente a ter algo completamente diferente nas mãos, que resolvem escrever e publicar sua própria versão do jogo/cenário, que acaba depois servindo de paradigma inicial para novos grupos de jogo... seria o efeito da “Arete” dos escritores de RPG sobre RPGistas adormecidos?