quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Transformando Vampiros em Cadeiras de Jardim e Outras obras de "Alta Mágika"

Este é um texto do Stephan Wieck que aparece no Book of Shadows e que eu acho simplesmente sensacional. Foi ele quem abriu os meus olhos para uma nova forma de enxergar o jogo, parar de me preocupar com abusos e combos de Esferas e olhar mais para a história sendo contada. A outra razão pelo qual eu acho ele tão fundamental é que, uma vez que você entende a mensagem dele e faz essa transição de estilo de jogo e consegue fazer com que os outros jogadores e o Narrador façam também, a mesa muda e Mago passa a mostrar a sua magia. Quando um Narrador sabe que não precisa se preocupar tanto com jogadores fazendo bobagens e passa a relaxar mais, todos ganham. É um texto com já quase vinte anos, mas bastante atual.

"Então, pelo menos podemos concordar que a realidade no Mundo das Trevas é subjetiva?" alguém disse.

Era janeiro de 1993, e Mark Rein Hagen, Chris Early, meu irmão Stewart e eu estávamos a caminho de nos enlouquecermos tentando criar as bases para Mago.

"Sim," disse Mark.

"Sim," disse Chris.

"Sim!" eu disse.

"Sim por enquanto, mas se lembre da Lila," disse Stewart (cuja resposta equivocada levou a uma discussão que mudou o futuro das metafísicas para Mago, mas esta é uma história para outra ocasião).

Então, ao planejar a metafísica, e portanto o sistema de mágika para mago, começamos com a premissa básica de que a realidade é subjetiva e construímos um sistema metafísico que cresceu para englobar maluquices como a Quintessência, o Paradoxo e os Padrões. No final, tínhamos um sistema que certamente não era perfeito (que sistema metafísico é perfeito?), mas era completo o suficiente para ser uma base sólida para um sistema de mágikas e para o próprio conceito de um mago sobre o universo. A partir da metafísica, foi uma consequência natural a definição das Esferas e então finalmente os mecanismos de jogo foram desenvolvidos.

O problema que tínhamos era que o sistema de mágikas original dificilmente sujeitava-se ao equilíbrio de jogo e facilidade para se jogar, sem que isso significasse sacrificar sua fidelidade aos conceitos metafísicos. Eu sempre acreditei que esse tipo era como matar uma história para preservar as regras, algo que a série de jogos de Narrativa sempre repudiou. Mas, como os pioneiros da White Wolf lembraram-me pacientemente (ou melhor, logicamente), Mago ainda era um jogo. No final, houve rotinas e regras e tabelas para que os jogadores e Narradores quase não tivessem chance de perderem a cabeça quando utilizassem o sistema de mágikas.

Mesmo assim, o sistema ainda era incrivelmente flexível, diverso e, como a metafísica em que foi baseado, subjetivo. Estava aberto a interpretações pessoais de cada um que o jogasse. Para alguns grupos, isso pode ser uma maldição que concretiza os maiores sonhos de um jogador louco pelo poder; para outros, isso pode levar àquilo que eu vejo como um passo revolucionário na experiência de narração, pois em Mago os jogadores inevitavelmente tornam-se Narradores auxiliares.

Os magos acreditam realmente que qualquer coisa é possível usando uma combinação de Esferas. Os Narradores descobrirão rapidamente que os jogadores são capazes de criar os tipos mais incríveis de efeitos mesmo com níveis baixos de Esferas. Apenas isso já torna quase impossível planejar uma trama sólida para uma aventura de Mago. É impossível para o Narrador prevere todos os usos da mágika que os jogadores podem tramar ao longo de uma aventura, e então planejar um enredo ao redor disso. Apenas imagine mantes os jogadores de Mago num enredo linear onde o Narrador quer que os acontecimentos X, Y e Z ocorram um após o outro.Os jogadores inevitavelmente chegarão à cena X e então realizarão algum efeito mágiko que fará com que as cenas Y e Z percam todo o seu significado e levará a história numa direção totalmente nova.

Um jogador de Mago escreveu para nós e disse (estou parafraseando aqui) "Como meu mago tem um nível tal e tal na Esfera tal, isso não quer dizer que ele poderia chegar até o vampiro e transformá-lo numa cadeira de jardim?" Agora imagine o pobre Narrador que planejara o inimigo vampiro como sendo fundamental para a história daquela noite. Quando os personagens encontram o vampiro pela primeira vez, um jogador anuncia que seu mago irá transformá-lo numa cadeira de jardim, invocará algumas margueritas e começará uma festa na beira da piscina. Assim acaba a história.

Bem, certamente eu não vou negar que é possível transformar vampiros em cadeiras de jardim em algum nível das Esferas. Mas isso é bom para a história? Alguns argumentam dizendo que o sistema de mágika de Mago é intrinsecamente deficiente por ser tão aberto a interpretações que as sessões de jogos de Mago inevitavelmente acabarão em discussões entre jogadores e Narradores sobre o que está escrito na página 123 contra o que isso acarreta na página 243, etc, etc, etc. Quem consegue se divertir assim?

No final das contas, as pessoas que estão lendo este livro, os jogadores, determinam a qualidade de uma história de Mago. Eu argumento dizendo que a flexibilidade do sistema de mágika não é um defeito, mas sim um dos pontos mais fortes. Ela permite que os jogadores participem do ato de contar uma boa história. Eu não consigo pensar em qualquer RPG que exija tanta criatividade, disciplina e habilidade de narração dos seus jogadores quanto Mago. Tudo, desde pensar quando e que tipo de mágika usar, até combinar Esferas para efeitos novos ou para criar mágikas coincidentes, exige que o jogador seja criativo.

Contudo, mais importante do que um jogador criativo é a disciplina de um jogador. Transformar um vampiro numa cadeira de jardim contribui para o clima ou tema da história? A história ganha sentido ou divertimento devido à ação do personagem? Haverá muitas oportunidades para arruinar o enredo do Narrador. Não faça isso. Isso não é uma ordem para restringir artificialmente seu personagem - sua criatividade determina quão bem-sucedido o personagem será em sobreviver ao mundo de Mago. Mas se você precisa romper o enredo, faça-o de uma maneira que a história seja levada para uma direção ainda mais empolgante ou cheia de suspense. Em Mago, você é mais um Narrador auxiliar que um jogador. A maior parte da emoção de Mago vem da ajuda dos jogadores para criar a saga.

Se o seu Narrador alega que está tendo dificuldade em criar uma história de Mago, então talvez você e os outros jogadores não estejam fazendo o suficiente. O que motiva o seu personagem? Por que razão ele luta? Não espere ser guiado para uma aventura - diga isso para o Narrador na próxima sessão de jogo.

Os planos do seu personagem para procurar os conhecimentos dos Oráculos, ir até a Quimera, ou  o que você desejar. O Narrador pode tramar algo para estragar ou adiar os planos do seu personagem, mas pelo menos você estabeleceu os objetivos de um personagem. À medida que a própria história do Narrador prossegue, você pode incluir a própria história do seu personagem.

Portanto, esta é a mensagem. Em Mago, você não é apenas um jogador, você é um Narrador auxiliar (é incrível o que uma mudança de título pode fazer para a sua perspectiva sobre alguma coisa). Use a versatilidade e o poder do seu personagem para incrementar a história, e não para destruí-la.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Como eu jogo o jogo e o que eu gosto no jogo.

Mago (e, em última análise, o RPG em si) é um jogo riquíssimo e, por essa riqueza, oferece múltiplas formas de se ver e entender o jogo – e, por conseguinte, de jogá-lo. Como o objetivo último do RPG é a diversão, se você e os seus amigos estiverem se divertindo, então qualquer forma de jogar está correta (e, como corolário, se você e os seus amigos não estão se divertindo, então você está jogando errado, não importa o que o livro diga). O objetivo deste texto, portanto, não é dissertar sobre qual seria a forma “certa” de se jogar. Este texto é sobre a forma como *eu* vejo, entendo e jogo o jogo, o que me diverte nele e como eu divirto a mim mesmo e aos outros enquanto eu jogo Mago. O objetivo dele é compartilhar algumas dicas aos que partilham da mesma visão que eu sobre o jogo e oferecer algumas reflexões para os que não partilham. Em face disso, toda a vez que eu fizer uma afirmação na linha “Mago é isso”, por favor entendam como “Mago, a meu ver, é isso” ou “Mago, nas minhas mesas, é isso”.

O primeiro elemento do jogo que eu gostaria de abordar são os jogadores e a razão para começar por eles é simples: eles são a componente mais importante num jogo de Mago. Claro, em qualquer mesa de RPG, os jogadores são fundamentais, mas o que eu quero dizer é que em Mago o papel deles é ainda mais importante que em outros jogos. Há uma série de razões para isso, a primeira delas sendo o grau de poder dos personagens. Não é segredo que com apenas alguns pontos em Esferas um personagem Desperto é capaz de fazer *muitas* coisas e manejar um poder muito grande. Um personagem Discípulo já é capaz de praticamente mudar o mundo (e há uma razão conceitual para que isso seja assim, mas já falo disso), três ou quatro personagens então são capazes de realizar mudanças tão grandes na realidade fictícia do jogo que desafiam qualquer narrador a manter o controle da trama sem recorrer a artifícios autoritários (e com isso incorrer em todos os problemas que acompanham tais posturas). É por causa disso, por causa desse grau de poder que os personagens de Mago têm sobre a narrativa que eu acredito que nesse jogo os jogadores são mais do que simples jogadores. Eles devem ser tratados como narradores-auxiliares, como co-criadores da trama da história. Afinal de contas, se eles não estiverem alinhados contigo sobre como deve ser o jogo, as chances são que os personagens deles simplesmente puxarão a Crônica para um rumo diferente. Se na hora de enfrentarem o vampiro que você planejou para ser o grande antagonista daquele arco de história os jogadores simplesmente sentarem e pensarem “Ah, para que me dar o trabalho? Vou usar essa e essa Esfera e transformá-lo numa cadeira de jardim* do conforto e tranqüilidade da minha casa”, você provavelmente se sentirá incrivelmente frustrado e provavelmente tentará negar o direito dos jogadores fazerem isso, mesmo que eles sejam amparados pelas regras, o que por sua vez gerará mais atrito. Para evitar isso, é importante trabalhar com os jogadores, convencê-los que aquele será um clímax legal para a trama e fazer com que eles trabalhem em conjunto com você para criar uma boa história. E isso envolve uma boa dose de negociação dos dois lados, pois, da mesma forma que você pode convencê-los a jogar de forma adequada com o clímax que você planejou; você também tem de estar disposto a ouvir deles quando eles disserem que não tem interesse nenhum em enfrentar vampiros em combates corporais e ao invés disso preferem uma história baseada em conspirações na Capela local.

*Recomendo a todos a leitura do excelente texto “Transformando Vampiros em Cadeiras de Jardim e Outras obras de ‘Alta’ Mágika”, do Stephan Wieck, presente no Livro das Sombras. É um texto que trata justamente desse tipo de coisa e que mudou a minha forma de ver o jogo. Sério, é um texto excelente e que mais pessoas precisam se lembrar, narradores e jogadores.

Ok, então jogadores são uma peça muito fundamental num jogo de Mago, pois nesse jogo, eles possuem um grau de controle (relativo ao Narrador) muito maior que a maioria dos jogos. Como então lidar com isso? Como essa noção abstrata se traduz em conselhos práticos de conduta num jogo?

Bom, primeiramente, se você é um jogador, tente não ser um jogador babaca. O que eu vou dizer aqui é basicamente o mesmo que o Wieck diz no texto dele. Tente trabalhar em conjunto com o narrador da sua mesa e com os demais jogadores para criar uma história legal. Resista ao impulso de mostrar o quão descolado e poderoso o seu personagem é e sair matando mestres anciões e desafiando dragões simplesmente porque ele pode. Sim, existem uma tonelada de mecanismos dentro das próprias regras do jogo que impedem que um jogador “despiroque” por completo, mas sendo um tanto inteligente você ainda consegue contornar essas restrições e fazer muita bagunça dentro de uma trama. Resista a esse impulso, coopere com o seu narrador e com os outros jogadores da mesa. Se você realmente sentir vontade de ir contra a história que todo mundo está traçando, converse primeiro, em off com todos e expresse que você tem uma idéia diferente sobre os rumos da campanha. Aprenda a ser maduro e ouvir para ser ouvido também. Se todo mundo concordar, aí vá em frente e faça aquilo que estava pensando – e certifique-se que vá ser legal. Se não, engula o orgulho e coopere com a história (ou mude de mesa, se for uma desavença inconciliável de visões). O objetivo do RPG é se divertir e não “zerar o jogo”. Não é porque o seu personagem pode fazer algo que você como jogador deveria fazer isso.

(E por favor, sem o bullshit de “mas eu estou só interpretando o meu personagem e é isso que ele faria”. É o jogador quem define as ações do personagem, não o contrário. Sendo assim, não dê a personalidade do seu personagem como desculpa para agir como um mané. Se você realmente preza a verossimilhança de um personagem acima da diversão dos outros jogadores da sua mesa, então você deveria parar de jogar RPG e escrever um romance. Lá a coerência e a verossimilhança são mais importantes e você não precisa de mais ninguém interferindo na sua história. Jogar RPG é para quem quer se divertir com amigos.)

Agora, do lado do narrador, a primeira coisa que você deveria fazer é se reunir com os jogadores e escutar o que eles querem jogar. Ponha também os seus anseios e desejos e tentem todos ali conciliarem-se para desenhar uma história que agrade a todos. Você não é obrigado a ficar preso narrando uma história que não te agrade, claro, mas tem de se certificar que a trama que você está escolhendo seja interessante para os seus jogadores e gire em torno dos personagens deles. Não é raro um narrador criar sozinho uma trama enorme e grandiosa em seus cadernos, antes mesmo de conhecer com quais pessoas irá jogar, quanto mais quais serão os personagens dos jogadores e depois se frustrar porque as coisas não saíram conforme o esperado por ele. Isso, a meu ver, é um erro. Se você quer criar uma história sozinho, vá escrever um romance, não jogar RPG. O ideal, portanto, seria primeiro se reunir com os jogadores, conversarem acerca dos temas e estilos de jogo que cada um tem, definirem o que querem para a mesa, criarem os personagens e só aí você começar a rascunhar a sua história. Isso evita inúmeros problemas para a crônica. Para começar, ao reunir primeiro os jogadores todos e definir as premissas da mesa com eles para só então passar a criação de personagens (ao invés de deixar cada jogador criar sozinho o personagem que desejar, conhecendo quase nada da trama) isso evita um dos principais problemas que narradores de Storyteller e em particular de Mago possuem: o de acabar com um grupo de personagens que não conversam entre si, como um cultista do Êxtase sadomaso, uma freira católica, um xamã indígena e um nerd virgem de TI. Se os personagens serão o centro da crônica, é importante que eles consigam formar um grupo coeso e uma forma fácil de conseguir isso é fazendo com que todo mundo esteja na mesma página durante a criação de personagens e trabalhe junto, em cima de uma premissa comum.

Essa postura de trabalhar em conjunto com os jogadores na hora de criar os personagens e a crônica deveria ser mantida ao longo do jogo, não apenas nas etapas de preparativos para o jogo. Ao fim de cada sessão de jogo, tire um tempo para ouvir os jogadores, saber o que eles gostaram no jogo, o que não gostaram, o que esperam para o próximo encontro e o que procuram fazer na história. Não tenha medo também de expor o que você pretende fazer no próximo jogo, nem que seja em linhas gerais. Muitos mestres tem uma fixação em manter a sua trama em segredo e são muito relutantes em compartilharem com os jogadores o enredo que eles pretendem criar. Eu acho isso errado. Eles não são espectadores da história magistral que você está escrevendo, nem tampouco você irá criá-la sozinho. Eles são “colegas de trabalho” seus e você deveria, portanto, coordenar com eles o que você vai fazer. Não tenha receio de contar, nem que seja em linhas gerais, o que você planeja para os próximos capítulos da história; isso te ajuda a garantir que eles irão te ajudar e “seguir o script” na hora do jogo. Além do mais, acredite, ainda sobra bastante espaço para surpreender os jogadores na história, até porque, você não precisa contar todos os detalhes do que está tramando, apenas o bastante para que eles cooperem contigo na hora do jogo.

Deixando um pouco de lado os jogadores, vamos passar agora à análise de outro elemento do jogo que eu acho importante: os temas de Mago. O RPG é um jogo incrível e as histórias que cada pessoa pode criar dentro de cada jogo são praticamente ilimitadas. Cada grupo de mestre e jogadores pode jogar o jogo de uma forma diferente e é possível criar histórias com qualquer temática dentro de praticamente qualquer sistema e cenário. Mago, em particular, é ainda um jogo mais aberto que a maioria. Dito isto, cada cenário/jogo em geral possui alguns temas centrais e funciona melhor dentro desses temas. O tema central de D&D, por exemplo, é explorar locais perigosos, acumular tesouros e (sobretudo nas novas edições) matar monstros. Claro, você pode fazer uma aventura centrada em romances jogando D&D e existem inclusive cenários que torcem um pouco essa temática do jogo, como Ravenloft, que insere um elemento de horror gótico no jogo, mas ainda assim, a temática central de D&D é essa e as regras e cenários do jogo foram feitos para funcionar bem dentro desse tema. Da mesma forma que um serrote pode ser usado para bater um prego, mas foi projetado e funciona melhor quando usado para serrar tábuas, a meu ver, D&D funciona melhor dentro do seu tema, mas permite que se façam outras coisas. Um outro exemplo é Vampiro. A meu ver, a temática central desse jogo é o horror pessoal de ver-se lentamente se transformando num monstro sociopata.

Em Mago: A Ascensão, o que eu acredito que seja o tema central, ou pelo menos um dos temas centrais é a seguinte pergunta: se você tivesse o poder para mudar o mundo, se conseguisse mudar e moldar a realidade ao seu redor apenas com a sua vontade, como você mudaria? Como você mudaria o mundo e como você mesmo mudaria como resultado disso? Essa é uma das razões que eu acredito que os personagens em Mago são muito mais poderosos que o padrão dentro de um RPG: é uma decisão pensada e uma conseqüência do próprio tema do jogo; os personagens tem mesmo de serem capazes de mudar o mundo. O jogo é sobre poder e como usar esse poder de uma forma responsável e significativa para o mundo. Não faz sentido então não dar poder aos personagens dos jogadores; seria como criar uma águia e roubar-lhe a capacidade de voar. Deixe que tenham a capacidade de transformarem os seus sonhos em realidade e veja onde isso leva a história, pois se Mago é um jogo de Poder, ele também é um jogo de Consequências e Responsabilidade. Os personagens podem mudar o mundo, sim, mas cada ação que fazem traz consigo uma reação também. Magos irresponsáveis têm de enfrentar as conseqüências do Paradoxo, artífices orgulhosos sofrem com a Húbris e Despertos que realizam atos de vilania acabam com uma Ressonância tão vil quanto eles. Toda ação traz conseqüências e isso é algo central em Mago, muito mais que em outros jogos. Se mesmo em Vampiro, que é um jogo de horror pessoal, existe a possibilidade de abraçar a Besta e tornar-se um assassino sem grandes problemas, em Mago mesmo os vilões precisam lidar com os efeitos de uma Ressonância negativa. Sempre há conseqüências e muitas vezes, Consequências com C maiúsculo. É um jogo de personagens poderosos, sim, mas se por um lado ele põe uma dose enorme de poder nas mãos dos jogadores, ele também coloca um aviso: “Pense bem o que você vai fazer com isso”.

De novo então seguem alguns conselhos mais práticos de como aplicar esses princípios dentro do jogo. Parte deles já foi explicada nos parágrafos anteriores, mas existem algumas coisas mais a serem ditas. Em primeiro lugar, se você é um narrador, evite tolher os poderes dos jogadores. Eu sei que basicamente tudo o que você já leu sobre RPG te doutrinou para tentar a todo custo evitar personagens ”overpower” (um termo, aliás, que eu detesto), que overpower é ruim, que você precisa ser capaz de controlar o que os personagens são capazes. Deixe isso ir, deixe esses seus receios irem embora, treine-se a dizer mais sim do que não e deixe os personagens dos jogadores terem o grau de poder que eles concordarem em ter. Você só deve se preocupar em alguém ser poderoso demais se de alguma forma essa pessoa estiver usando isso para roubar a diversão dos outros jogadores. Se não for esse o caso, se todo mundo estiver se divertindo e a história estiver sendo bacana, então o que você deveria se preocupar não é com o grau de poder dos personagens e sim com as conseqüências dos atos deles. Existem três planos em que cada ação de um Desperto potencialmente repercute. O primeiro e mais óbvio deles (mas ainda assim bem esquecido) é a sociedade mortal. Assassinatos, por exemplo, atraem desde policiais e jornalistas até pessoas querendo vingança e as vezes até mesmo coisas aparentemente inócuas como passar a madrugada fazendo um ritual podem atrair a atenção de vizinhos querendo saber o que o maluco da casa ao lado estava fazendo durante a madrugada, ou porque aquele nerd Adepto nunca sai de casa - "o que ele está tentando esconder?" O segundo plano em que as ações de um Desperto repercutem é o mundo sobrenatural. Desde a Tecnocracia vigilante caindo em cima de um mago descuidado até mesmo a espíritos da Umbra enfurecidos pelas interferências dos magos em seus assuntos, há uma ampla margem para as ações de um Desperto interferirem no mundo sobrenatural. Considere, por exemplo, algo tão aparentemente inócuo e dês-sobrenatural como usar Entropia para influenciar o resultado das ações de uma empresa na Bolsa. Com isso, você pode atrair a atenção do Sindicato, dos Vampiros que manipulavam aquela empresa, dos Lobisomens que lutavam contra aquela empresa, dos Espíritos do Livre Mercado, que não gostaram da interferência e do seu Mentor, que te pegou usando mágika para uma bobagem dessas. Por fim, o último plano em que cada ação de um Desperto repercute é em seu próprio Avatar. As ações dele podem atrair diferentes tipos de Ressonância, mas não é só essa a única repercussão que pode haver. Existem uma série de importantes lições que um personagem precisa aprender para Ascender e objetivos que o Avatar dele traçou para si. A Ascensão exige um aprimoramento constante, uma busca pela perfeição da alma e isso necessariamente passa por saber lidar com as conseqüências de seus atos.

Assim sendo, tente sempre ao final de cada jogo parar um pouco e pensar como foi a conduta de cada personagem e onde isso está os levando. Discuta isso com os jogadores, faça-os enxergar onde as ações dos personagens dele estão os conduzindo. Lembre-se, aliás, que consequências não são apenas coisas ruins e que um personagem particularmente virtuoso deveria também sentir os efeitos dessa virtude com a mesma intensidade que um personagem impulsivo sofre os efeitos de sua impulsividade. Muitos narradores são mais rápidos em punir do que em premiar e isso é algo que sempre me desapontou um pouco quando testemunhei episódios assim.

O próximo ponto que eu gostaria de analisar são as regras de Mago e aqui o trabalho fica um pouco complicado porque eu nunca escondi o meu desgosto com as regras do sistema Storyteller. Não vou entrar muito em detalhes na razão pelo meu desgosto, mas basta dizer que eu acho que elas não desenvolvem de forma adequada a proposta de serem um conjunto de regras focado na narrativa e por isso mesmo eu normalmente utilizo um outro sistema de jogo nas vezes em que narro. Porém, tentarei deixar esses rancores contra o sistema Storyteller de lado e falar aqui sobre uma visão mais ampla do papel das regras num jogo de Mago, além alguns pensamentos sobre uma parte das regras que eu realmente gosto no jogo: as regras de mágika.

Não há dúvidas de que as regras de mágika são uma das componentes mais fundamentais da identidade do jogo. Mago: A Ascensão só é Mago: A Ascensão por causa da forma como a magia é tratada nele. Se você pusesse outro sistema ali, como por exemplo, as regras de magia de D&D, mesmo que se utilizasse o framework do sistema Storyteller e o cenário de Mago, já não seria o mesmo jogo; haveria uma sensação bem diferente (e aqui digo por experiência própria, que já joguei com Narradores que tentaram enquadrar e limitar as regras de mágika para ficarem mais próximas de jogos como estes). Da mesma forma, se você transpuser essas regras de mágika para algum outro sistema (como eu fiz), você terá uma adaptação boa de Mago para aquele sistema. Quais são então as características dessas regras?

Em termos de mecânica, eu acredito que os três componentes principais do sistema são a divisão das Esferas (e os efeitos de cada nível delas), a Quintessência e o Paradoxo. Se você conseguir determinar como cada uma dessas componentes vai funcionar no seu jogo você consegue ter uma adaptação razoável de Mago para ele e dentro do jogo original esses três elementos são os elementos que mais influenciam, do ponto de vista da pura mecânica, o funcionamento das regras dentro do jogo. Já do ponto de vista da narrativa/cenário, há outros efeitos igualmente importantes (talvez até mais), mas que são menos representados nas regras. São eles Paradigma/Estilo Mágiko, Avatar e Ressonância. Do ponto de vista de como o cenário é apresentado e como uma narrativa pura é estruturada, esses elementos são (ou deveriam ser) muito mais decisivos no resultado final dos esforços de um místiko do que, por exemplo, o nível exato dele na Esfera de Primórdio. Não obstante, o efeito desses elementos na mecânica de como a magia funciona no sistema é ou indefinido ou bem secundário. Essa é uma das críticas que eu tenho ao sistema de regras e que se eu fosse revisá-lo (como de fato tive a oportunidade quando fui criar uma adaptação para FATE), eu mudaria e tentaria dar um pouco mais de destaque para estes elementos.

Antes de entrar um pouco mais a fundo nessa discussão sobre como eu enxergo a mágika em Mago, algumas últimas palavras sobre o papel das regras em geral no jogo: Mago é um jogo sobre contar histórias. A diversão dele não está no jogo em si, na mecânica dele, no G de RPG e sim no drama das histórias, no processo de criar uma boa narrativa, no RP da sigla. Nem todo jogo é assim. D&D, por exemplo, é a meu ver um jogo com um foco bem maior em oferecer uma diversão ao se *jogar* as regras, como num vídeo-game ou num jogo de tabuleiro e por isso as regras dele recebem uma atenção especial. Elas são mais detalhadas e mais divertidas do que as regras de Mago jamais foram ou jamais serão e cada novo produto da linha traz mais regras ao jogo, na forma de novas classes, talentos e etc. Da mesma forma, existe nesses jogos uma preocupação com o equilíbrio de poder entre os jogadores e o balanceio entre regras em geral que não existe em Mago. Naqueles jogos é importante que não exista um poder/classe/talento/breguete muito mais poderoso que os outros; idealmente, todos eles seriam igualmente balanceados, para serem igualmente divertidos. Eu não vejo isso como uma preocupação central nas regras de Mago e nem acho que deveria ser, pois, mais uma vez, o equilíbrio e balanceamento do jogo só são importantes na medida em que interferirem na diversão da história que está sendo contada e aqui, diferente de lá, a diversão não vem da aplicação das regras do jogo, do “jogar” em si. Outros RPGs têm também uma preocupação maior com a verossimilhança, uma preocupação que o resultado da aplicação de suas regras gerem uma aproximação do que aconteceria na realidade. Em Mago, mais uma vez, eu não enxergo essa preocupação num grau tão grande. Ela existe, claro, mas aqui a pergunta mais importante não é “o que aconteceria de verdade numa situação assim?” e sim “o que geraria uma história mais interessante?”. E aqui vai mais uma pequena reclamação: essas coisas, em tese, deveriam ser a alma do sistema Storyteller, é o que os designers a toda a hora afirmam e tal, mas não é algo que eu realmente sinto nas regras do jogo. Eu conheci já outros sistemas que incorporam esses valores de uma forma bem mais acentuada.

Para que então servem as regras? Qual o papel delas no jogo?
Bom, para começar, eu acredito que as regras servem como uma forma mais acurada de descrever a realidade do jogo do que com meros adjetivos. Ao invés de dizer que um personagem é forte, outro é fortíssimo e um terceiro tem uma força sobre-humana, dizemos que o primeiro tem Força 3, o segundo tem Força 5 e o terceiro tem Força 6. Da mesma forma, ao invés de dizer que aquela é uma prova dificílima, que só os melhores seriam capazes de realizar, dizemos que ela exige três sucessos com dificuldade 8. Assim, as regras atuam aqui como um descritor mais objetivo da realidade fictícia do jogo. O segundo papel delas, a meu ver, é estabelecer uma espécie de “contrato” entre mestre e jogadores, definindo quais serão os protocolos que valerão dentro do jogo e como as coisas serão apitadas, se aproximando aqui das noções de jurisdição e Direito mesmo. Claro, sempre existe a Regra de Ouro e tal, mas ainda assim, um sistema de regras está lá para ajudar os jogadores a calibrarem as suas expectativas sobre como a história será decidida (“o tiro pegou ou não pegou?”) e para argumentarem com o Narrador quando ele os contrariar (e aqui vale lembrar que narradores muito arbitrários, que gostam de apelar muito para a Regra de Ouro costumam acabar sem jogadores). E, enfim, é este e apenas este que eu acredito que seja o papel das regras dentro de um jogo de Mago.

Voltamos agora à discussão sobre a Mágika em Mago. Eu já toquei brevemente nos parágrafos anteriores sobre a minha visão da mecânica da mágika, agora vou falar alguns preceitos gerais que eu acredito que compõem a mágika do jogo.

1) A Mágika vem do Avatar, da alma do mago, da porção Divina dele que habita um plano superior de existência. Os paradigmas específicos de cada um podem querer mudar essa idéia (com graus maiores ou menores de modificações), mas isso é uma verdade básica e objetiva da natureza da mágika, uma das poucas no jogo. O Avatar é quem opera todos os Efeitos que um místiko realiza. Sem ele, não há magia e da mesma forma, um Avatar que não esteja consciente de si mesmo e de seu poder de mudar a realidade é dito um Avatar Adormecido e não importa quão cônscia da magia a pessoa ligada a ele seja, enquanto este Avatar não Despertar e, com isso, tornar-se também cônscio de seu papel, essa pessoa jamais será capaz de operar qualquer mágika.

2) Apesar disso, a mágika é uma forma de expressão bastante individual de cada místiko. Se o Avatar é como uma fonte de luz, o místiko que está realizando o Efeito funciona como uma série de prismas, lentes e filtros que modificam essa luz, dando-lhe características próprias antes de ser captada pelo mundo. O Paradigma é o principal desses filtros, como inclusive é de se esperar, pois ele representa simplesmente a visão de mundo do personagem, mas não é o único. Sua Ressonância, suas emoções, seus maneirismos e personalidade, tudo isso deveria influenciar também a forma final de uma mágika, constituindo lentes e prismas adicionais sobre a luz emanada do Avatar. Diferente de uma mágika estática e impessoal, como a maioria dos outros sistemas, a magika em Mago é tremendamente pessoal e dinâmica. Ela representa o místiko, quem ele é e quem ele “está”. Não há impessoalidade na magia de Mago.
Do ponto de vista prático, porém, isso pode ser um pouco complicado, eu entendo. Nem sempre é possível ou desejável fazer uma pausa no jogo para toda vez que um personagem for fazer uma mágika e ficar refletindo em como seria possível transformá-la num reflexo do personagem que a opera, mas ainda assim, ao menos em grandes rituais ou quando o personagem estiver sob o efeito de emoções poderosas vale a pena dar pelo menos um colorido nos efeitos dele. Talvez o Adepto que estivesse particularmente apaixonado, ao tentar entrar na Teia Digital, percebesse que ele caiu justamente na sessão da Teia que representa o perfil do facebook da pessoa que ele ama. Talvez o Eutanatos fosse arrebatado por antigas memórias toda vez que ele fizesse mágikas de Tempo ou Mente na cidadezinha em que ele nasceu. Detalhes menores assim dão um colorido legal a história e me levam ao meu terceiro ponto...

3) A Mágika não deveria ser algo limitado e estático, mas sim algo mais vivo. Em AD&D, por exemplo, uma bola de fogo vai produzir exatamente os efeitos listados no livro, nada a mais, nada a menos e nada diferente. Em Mago (excetuando-se o caso de Rotinas), eu acredito que não seja assim. Se o jogador fez tudo o certinho, obteve os Sucessos necessários no Efeito dele, sabia todas as Esferas e tal, o Narrador deveria fazer sim com que acontecesse o que o jogador desejava, mas, também teria liberdade de incluir detalhes adicionais, além do escopo do Efeito, bem como ser um pouco liberal na forma como esse Efeito se manifestou. Dois exemplos rápidos para ilustrar esse ponto. O primeiro veio de uma mesa de jogo que eu mestrei. Três jogadores – dois cultistas e um verbena – entraram numa viagem coletiva de drogas e música para investigarem o passado de uma bala que eles haviam recuperado de um assassinato importante. Ao invés de simplesmente lhes passar as informações que eles desejavam, eu resolvi torcer um pouco as coisas. Aproveitando que os três estavam bem chapados, que um deles (o principal condutor do ritual) tinha um paradigma egípcio e outro lidavam com espíritos, eu resolvi fazer com que os três tivessem uma alucinação que fez aparecer na frente deles uma representação enorme do deus Anúbis, que (além de apavorar um pouco os jogadores, hahaha) então lhes passou as informações que eu queria. Isso não estava no escopo da mágika deles, nenhum dos jogadores/personagens tinha desejado invocar um espírito, muito menos de Anúbis, para conseguir essa informação. Essa foi simplesmente a forma como a mágika se manifestou no ritual deles. O segundo exemplo foi algo que eu descrevi num dos mini-contos do Akalanata, quando ele usa sua mágika para tentar descobrir o futuro da vida amorosa de sua irmã e a Ressonância dele se espalha pelo aposento e faz uma pessoa que no passado havia o magoado tropeçar num brinquedo. Aqui, ao invés de modificar a forma que o Efeito adotou, eu preferi incorporar detalhes adicionais a ele, mini-Efeitos que não estavam no escopo da mágika original. São pequenas coisas que adicionam um colorido legal ao jogo.

4) Tudo deveria ser possível, se você estivesse disposto a pagar o preço. Não quer dizer que tudo seja fácil aos personagens, mas eu acredito que com os recursos certos em quantidades adequadas, a mágika deveria ser capaz de fazer qualquer coisa a quem estivesse disposto a investir nisso em termos de preparativos, Quintessência e Paradoxo. Isso aliás traz um segundo corolário, mais prático, que eu acho importante: preparativos realmente deveriam fazer a diferença no jogo e os jogadores deveriam ser bem encorajados a investirem nisso. Um ritual feito na lua certa, em solo consagrado, usando a Ressonância adequada, com materiais raros, uma boa quantidade de Quintessência e um coro de acólitos entoando cantos místicos deveria ser bem mais poderoso e eficaz que um efeito rápido realizado balançando no ar uma varinha e dizendo um latim porco. A meu ver, sempre deveria haver uma saída, mas sempre deveria haver um preço também. O Efeito tem uma dificuldade alta demais ou requer muitos Sucessos? Se você tiver Quintessência, Ressonância , tempo e preparativos suficientes, isso não seria problema. Precisa de Esferas que você não tem? Existe algum grimório perdido por aí que te permite realizar exatamente esse Efeito (e só esse Efeito) sem precisar conhecer todas elas, é só achar. Quer fazer algo realmente grandioso? Então além de tudo isso, você precisa estar pronto para receber o Paradoxo, que é o preço de fazer algo assim. E aí por diante. A mágika é muito menos uma questão de dados e atributos e muito mais uma questão de estar disposto a fazer o que for necessário. Esse, afinal, como eu disse, é um dos temas principais do jogo na minha visão: o dilema entre Poder e Responsabilidade.

5) O quinto e último ponto da mágika em Mago e que a meu ver amarra todos os anteriores é o Paradoxo. Do ponto de vista da mecânica, a função dele é simples e talvez até um tanto simplória: é fornecer uma trava bastante eficiente para evitar que os jogadores saiam por aí fazendo loucuras, de modo a garantir que uma mesa não termine com personagens voando, soltando bolas de fogo e invocando grifos em plena luz do dia (ao menos não enquanto estiverem na Terra; na Umbra o papo é outro...). Porém, como isso ficou tão bem amarrado do ponto de vista conceitual! Ao invés de colocar a coisa como uma regra mística ad hoc (um pouco como é na linha Awekening, para a minha tristeza), a explicação para o Paradoxo é que ele é uma manifestação da desarmonia criada quando os Efeitos criados por um Avatar não se conformam com a visão que os demais Avatares Adormecidos possuem da realidade. Isso, a meu ver, é genial. Primeiro, porque dentro da visão mecânica das regras, te permite abrir uma brecha para deixar realizar Efeitos loucos em locais em que tais Efeitos seriam bem aceitos. Noutras palavras, a restrição só existe (ou só é mais forte) quando ela é necessária para manter a coerência do cenário. Além disso, é algo que se interconecta com as noções de mágika advinda dos Avatares, filtrada por Paradigmas, dinâmica e flexível de forma bastante harmônica. E, mais ainda, ao invés de ser simplesmente uma ferramenta de controle, sem graça e cruel, te permite também criar ganchos interessantes para narrativas, baseados em reações do Paradoxo diferentes dos simples Choques de Retorno, como Silêncios, Espíritos do Paradoxo e etc.

Por fim, para fechar este já bastante longo texto, eu gostaria de falar como eu vejo Mago como sendo uma metáfora para o próprio jogo em si. Isso é algo que eu já dissertei um pouco em outro post aqui no blog, mas que eu acho que vale a pena falar um pouco mais e expandir um pouco mais.

Eu vou começar com uma metáfora que eu usei quando estava tentando explicar melhor aos meus jogadores o que era o Avatar em Mago. Ok, nós sabemos que é uma parte da alma do Mago, uma espécie de Eu Divino dele, mas há um pouco mais que isso. O Avatar é como uma entidade própria, que pula de encarnação em encarnação, acumulando conhecimentos e experiências até Ascender. Sabemos também que ela é a fonte do verdadeiro poder de um Desperto, que é algo maior que a vida que ela está vinculada no momento. Podemos enxergar a relação Avatar-mago mais ou menos como o mago sendo um personagem e o Avatar o jogador daquele personagem. Da mesma forma que o Avatar, aquele jogador está ligado ao personagem atualmente, mas já se ligou a diversos outros personagens antes e acumulou os conhecimentos e experiências de cada vez que jogou RPG. E, da mesma forma que o Avatar, é você quem é a fonte de poder do seu personagem, que permite que ele seja uma força da mudança dentro da narrativa que você e os seus amigos estão contando. Pense nisso por uns minutos, ahaha. Talvez você tenha acabado de ter uma Epifania, mas acalme-se que a metáfora é ainda maior que isso.

Pronto? Então continuemos. Como eu estava dizendo, é você quem permite que o seu personagem seja uma força da mudança dentro da narrativa que você e os seus amigos estão contando. E aqui vem a segunda parte da metáfora: se você é o Avatar do seu personagem, então a narrativa que estão contando é toda a Tellurian. Pense nisso também, enquanto se recorda de um dos principais “dogmas” do cenário de Mago: a Realidade é Consensual. As coisas são como são porque é assim que todos concordam que seja. Houve um tempo em que as pessoas concordavam que grifos existiam e assim era. Depois o Consenso mudou e os grifos deixaram de ser algo aceito e então foi como se eles nunca tivessem existido. Da mesma forma, a sua narrativa de jogo é um consenso entre você e os demais jogadores/narradores da mesa. Ela pode ser qualquer coisa, mas apenas se você e os outros da mesa concordarem. Esse universo, essa realidade, é regida pelas forças que todos concordaram, as regras de jogo e o arbítrio do Narrador. Tão verdadeira como a constante gravitacional no nosso mundo, naquele universo é uma regra que uma espada longa causa 1d8 de dano. Quando você tiver absorvido isso, vamos para a terceira parte da metáfora, a mágika.

Partindo da premissa que o seu jogo é a realidade consensual em que o seu personagem vive e que você é o Avatar dele, pense um pouco o que seria a mágika dentro dessa metáfora. E aqui vai uma dica para o caso de você estar tendo dificuldade nisso: O termo Arete, dentre os múltiplos significados que ele pode assumir no grego, significa também a qualidade de um orador e sua oratória, a capacidade dele de persuadir ou comover os seus ouvintes.

Pronto para a terceira parte da metáfora? Pois bem, a mágika então seria todos aqueles momentos preciosos no RPG em que se resolveu deixar as regras de lado e fazer os acontecimentos de acordo com a vontade dos jogadores/narradores. É aquela hora em que você, usando a sua capacidade de oratória e bons argumentos, consegue convencer o Narrador e os demais jogadores da mesa a aceitarem uma Qualidade (ou Vantagem/Talento/o que quer que se ajuste melhor ao seu sistema de jogo) nova, que você inventou. É aquele momento em que você consegue descrever tão bem a sua ação que todo mundo decide “ok, não precisamos de dados para isso, o que aconteceu foi o seguinte”. Em suma, como toda magia deve ser, é quando você consegue torcer as regras da “realidade” do jogo. Por corolário, um “jogador Desperto”, por assim dizer, seria um jogador (ou Narrador, pois eles também são capazes de fazer mesas de jogo verdadeiramente mágicas) que ganha consciência que as regras do jogo não são leis definitivas e podem ser torcidas/modificadas, ao invés de simplesmente aceitas. Como eu digo num outro post, essas modificações podem ser vulgares ou coincidentes, ou seja, podem ser coisas naturais ou grosseiras. Uma modificação de regras que todo mundo concorde que faça sentido seria uma modificação coincidente. A hora em que o Narrador torce as regras para “roubar” em favor do seu NPC e permiti-lo desviar de balas e agir quinze vezes num turno, sem direito a resistência, aí seria uma modificação vulgar/grosseira das regras, que geraria descontentamento dos jogadores.

E aí chegamos na quarta e última parte da metáfora, o Paradoxo. Este nada mais seria que as reações dos demais jogadores quando você torce demais as regras de uma forma que os outros não aprovem. Nem sempre é algo que gera uma conseqüência imediata; assim como os pontos de Paradoxo podem ir se acumulando, sem necessariamente gerar uma Choque de Retorno ou similar, os descontentamentos podem ir se acumulando antes que alguém proteste. De novo da mesma forma que o Paradoxo, se você ficar na sua e não fazer mais coisas para desagradar os outros, esses pontos vão embora com o tempo. E por fim, da mesma forma que o Paradoxo, quando as coisas dão errado, os resultados podem ser bem desastrosos: jogadores abandonando a mesa, rixas, narradores ficando de saco cheio e mandando raios em cima dos personagens, coisas assim.

E isso completa a bela metáfora que eu acho que Mago é de si mesmo, pois como eu disse logo no início desse texto, eu acho que esse é um jogo que empodera os jogadores como poucos, que os encoraja e capacita a agirem como Despertos e modificarem bastante o universo ficcional em que os personagens deles vivem, que os põe num papel mais ativo do que passivo, ao convencerem os outros jogadores e o Narrador dos Efeitos que eles estão criando com as Esferas e tudo o mais, testando o seu Arete, a sua capacidade de oratória contra eles.

E é por isso que eu acho esse jogo lindo.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Origem dos símbolos de Mago: A Ascensão

Algo que talvez poucos saibam, mas os símbolos das Esferas de Mago vieram dos símbolos usados por alquimistas para escrever suas fórmulas. Segue aqui um link contendo diversos deles. Vejam quantos conseguem reconhecer das Esferas:

http://alchemicaldiagrams.blogspot.com.br/2011/10/alchemy-symbols-with-meanings.html

domingo, 30 de junho de 2013

Resumo da Primeira Sessão de Jogo

A crônica começa numa quinta-feira, 24 de janeiro, na reunião para a purificação anual do Nodo da Sé. A maioria da comunidade Desperta de São Paulo e arredores estava presente ali, na Praça da Sé, para ajudar a purificar o nodo mais importante da cidade.

A reunião começa bem. Lázarus, o Hierarca do Coro Celestial e líder da cabala “Os Discípulos de Paulo” (e também mentor de Ângelo) coordena o ritual, com o auxílio dos demais coristas. A primeira etapa dele é um esforço conjunto dos magos para romper os três selos que protegem e contém a energia bruta da Quintessência do Nodo, guardando-a contra outras pessoas. Todos os magos começam a trabalhar juntos nessa tarefa para romperem os três selos e em alguns minutos de cooperação conjunta eles conseguem liberar o fluxo bruto de Quintessência de um dos Nodos mais poderosos da América.

Banhados pelo poder, envolvidos num fluxo de Quintessência bruta que carregava as Ressonâncias de todas as pessoas da cidade, eles começaram a concentrar o que tinham de melhor em cada um, tentando purificar o Nodo e fazer a cidade um lugar melhor. Foi durante isso, porém que um assassinato aconteceu. Uma moça que estava próxima à Cabala recebeu uma bala no peito, caindo nos braços de Caius. Suas últimas palavras antes de morrer foram “Me perdoem”. No momento de sua morte, uma onda de Ressonância agonizante tomou todos os presentes, o sofrimento de sua morte reverberando pela Quintessência do poderoso Nodo, ecoando pela cidade e impregnando todos os presentes ali com a agonia de seus momentos finais. Os esforços de salvá-la ou reanimá-la foram em vão.

No meio da confusão, Imhotep habilmente recolhe do chão a bala que foi disparada. Caius tenta investigar o prédio de onde foi efetuado o disparo, mas o assassino já estava longe dali. Outros esforços de investigação são igualmente vãos. Alice vai auxiliar Ângelo – que havia sumido instantes antes do disparo e retornado apenas depois do ocorrido – a reestabelecer os selos que protegem o Nodo, para evitar mais corrupção e resguardarem a energia da cidade. O rito foi cancelado e, sem nada mais que pudessem fazer, retiraram-se de lá, rumando para o bar de Imhotep, Luxor.

No bar, reúnem as provas que obtiveram: a bala e o sangue da jovem na camisa de Caius. Eles entram em acordo que aquele não era o melhor momento para traçarem um plano de ação e concordam em se encontrar no dia seguinte para combinarem o que fazer.

No dia seguinte, os efeitos e repercussões do ato do dia anterior começaram a serem sentidos por todos. Todos acordaram sentindo-se mal, com variados tipos de dores pelo corpo. Não apenas eles, como outros familiares, amigos e parentes. Todos sentiam os efeitos da onda de Ressonância agonizante que varreu a cidade. Além disso, seus respectivos mentores os procuram para explicar a gravidade do ocorrido e os aconselharem a como proceder. Susan conta que foi chamada pelo Conselho para olhar melhor no passado e tentar obter pistas. Matias conta da gravidade espiritual do problema. Gabriela expressa preocupação sobre como será feita a investigação, não confiando no Coro, dizendo que precisam verificar o que está acontecendo para não sofrerem depois. Dom Ângelo põe Alice mais a par das consequências, do significado do nodo da Sé, diz que agora precisará de um trabalho forte de purificação do Nodo, preocupado em como fará isso e as consequências de não fazer. Ao mesmo tempo, conta para ela sobre a investigação que será feita agora, intrigado em como Os Arcanos foram burlados. Por fim, Lilian também fala a Caius do problema causado, mas a sua visão é que isso é um pouco de “desorganização brasileira”, descontente e descrente com a situação do Conselho em São Paulo, falando para não se envolverem tanto no problema, que eles já tinham outras preocupações para cuidarem e viaja para o Rio de Janeiro.

Os cinco se reúnem no dia seguinte e discutem os rumos a serem tomados. Apesar de algumas recomendações contrárias, eles decidem prosseguir com as investigações. A primeira providência que tomam, porém, é purgarem-se da quintessência que adquiriram no ritual, contaminada pela Ressonância Agonizante. Alice conduz uma prece entre todos os membros e recolhe a quintessência de todos nas águas de um jarro. Após isso, Ricardo, Imhotep e Nathan unem esforços para investigarem o sangue e a bala. Com sua mágika, acabam invocando uma representação do deus Anúbis que, ao farejar o sangue da vítima, diz que ela era impura e corrupta.

Após algum breve brainstorm, decidem que Alice e Nathan vão ao Templo Budista, tentarem descobrir mais informações dos Irmãos de Akasha sobre a moça que morreu.  As coisas não dão tão certo e ao invés de conseguirem obter qualquer informação eles saem com a impressão que Lee, um vigia do templo antigo, sondou toda a mente deles e descobriu tudo o que sabiam. Após esse episódio, eles também passam no Abrigo da Luz, para encontrarem-se com Hugo as demais vítimas da MedCorp, pois souberam que durante a madrugada Letícia – uma das vítimas -, havia falecido. Nesse meio tempo, Nathan aproveita e levanta uma relação de todos os óbitos na cidade no dia de ontem. Já Alice decide gastar o restante do salário do mês para comprar mantimentos e provisionar o local.

Por volta das sete horas de sexta feira, Susan se encontra com o grupo, dizendo que seus esforços de tentar investigar o local do assassinato foram vãos. Havia uma barreira muito forte ali impedindo os sentidos dela de perscrutarem o passado. Para isso, ela precisaria realizar um ritual mais poderoso, um rito tântrico dentro da igreja... e isso o Dom Ângelo não permitiu. Ela também revela que no dia seguinte eles receberiam uma visita de Waleska, do Coro Celestial e Alexandre, da Irmandade de Akasha, que iriam fazer algumas perguntas a eles e recolher as evidências que estavam em poder do grupo.

À noite, todos resolvem ir para a Love Story, à caça de mais informações sobre o ocorrido. Lá Imhotep flerta com Sophie, uma vampira e Ricardo descobre que Alcides estava tocando, porém músicas que não eram de sua autoria. Alice conversa com Sheena, a Drag Queen da Irmandade que se apresenta na casa e descobre mais informações sobre o ocorrido da noite anterior, em especial o nome de um primo de Amanda Chen, a vítima. Esse primo se chama Akira e ele foi uma das pessoas que tentaram amparar Amanda após o disparo, usando pontos de pressão em meio a lágrimas. Caius conversa com um grupo de Despertos no andar subterrâneo da Love Story, mas não obtém nenhuma informação relevante. Alice é encarada por um senhor de meia idade dentro da casa, mas também não dá bola e sai sem falar com ele.

Após Nathan, Alice e Caius irem para casa (e Caius ter uma pequena cena com sua esposa, que está doente), Imhotep e Ricardo resolvem ir à convite de Gabriela para um samba na Vila Madalena. Lá Ricardo conhece Luana, uma mulata com quem se envolve e leva para casa e Imhotep conhece Joaquim, um empresário que diz ter um de seus quadros. Alice ao invés de ir para casa passa mais uma vez no Abrigo da Luz e auxilia Hugo, Léo e Verônica a purgarem os efeitos da quintessência corrompida que estava em seus corpos, mas, sem dinheiro para a volta, passa a noite lá.

No dia seguinte, sábado, eles recebem cedo a visita de Alexandre e Waleska no ateliê de Imhotep. Waleska é ríspida e provocativa com eles, implicando que pairava uma forte suspeita sobre suas cabeças, sobretudo para Alice e Ângelo. Os demais membros do grupo entram também em atrito com ela e respondem ao modo inquisitivo e agressivo com que ela os interrogava e ambos os lados trocam provocações. Com a bala e o sangue, eles deixam o local.

Em seguida, Imhotep e Ricardo visitam Joaquim para conhecerem o quadro que ele possuía. O quadro retratava uma caveira dentro de uma lixeira pública numa esquina da Santa Ifigênia. Os dois rumam então para lá e levam a lixeira para o ateliê, onde o restante do grupo os aguardava. Dentre o conteúdo da lixeira estava uma cápsula de munição. Uma investigação mágika confirmou que aquela cápsula pertencia à bala que foi disparada (e que agora estava em poder do Conselho). Ricardo também conseguiu sentir a Ressonância que havia na cápsula, uma Ressonância de Rancor, Desprezo e Maldade. Afora isso, nada mais conseguem obter de relevante.

O passo seguinte seria dado pelo grupo na segunda feira, quando Alice e Imhotep resolvem ir à galeria em que Joaquim havia comprado o quadro do pintor. Ali eles descobrem mais um dos quadros roubados, com a chocante representação de um vulto enforcado em frente a um vulto de joelhos, com as mãos no rosto e um terço nos braços – terço este que Alice reconhece ser de Ângelo.

domingo, 9 de junho de 2013

Protocolos e Justiça entre as Tradições

Como a Justiça e os Tribunais entre as Tradições serão uma parte importante da história, eu resolvi trazer algum material sobre como ela é feita dentro do universo do jogo. Abaixo estão alguns textos extraídos do Mago segunda edição que versam sobre o assunto e que são de conhecimento geral entre os personagens do jogo.

Protocolos

Os Protocolos são costumes antigos que todos os magos da Tradição devem seguir. Alguns são apenas uma cortesia, enquanto outros são considerados muito importantes. Aqueles que quebram o Protocolo são em primeiro lugar repreendidos, e depois punidos de diversas formas. Isso depende do bom humor dos juízes, e do poder e status do ofensor. Transgressões pequenas são tratadas pelo próprio grupo de companheiros do mago. Transgressões mais sérias resultam num Tribunal.
Os Protocolos e as punições Herméticas apropriadas estão listadas abaixo. Como os Protocolos são encarados de maneiras diferentes por cada Tradição, as punições podem variar.


  • Respeite aqueles com maior sabedoria.
Isso é bom senso.

  • O débito com um Tutor deve ser pago.
Os colégios Herméticos esperam um pagamento após cada semestre. Estudantes que não pagam podem ser suspensos das aulas até que o façam. Se um estudante conseguir enganar várias instituições dessa maneira e for pego, ele erá Marcado. O transgressor nunca mais receberá treinamento de um mago da Tradição.

  • A Palavra de um mago é sua Honra; nunca quebre uma Promessa.
Censura é a punição mais comum. Um mago com uma longa história de mentiras poderá ser Marcado.
  • A Vontade de um Oráculo precisa ser sempre obedecida.
Muitos magos modernos nem acreditam que os Oráculos existam. Entretanto, os antigos textos jurídicos da Ordem pleiteiam a Censura para magos desleais. Tais trechos representam um paradoxo: Os Oráculos existiram? E, caso tenham existido, um Oráculo desrespeitado não seira poderoso o suficiente para executar sua própria sentença, dependendo apenas de sua vontade?

  • Não traia sua Cabala ou Capela.
Uma transgressão série nos tempos da Guerra da Ascensão, a traição é garantia de Marcação ou Ostracismo permanente.

  • Não conspire com os inimigos da Ascensão
Aqueles que forem pegos conspirando com a Tecnocracia, Desauridos ou outros inimigos (aberto a interpretações) é sentenciado a Marcação e Ostracismo permanente. Se o "inimigo da Ascensão" for um Nefandus, a punição aumenta para Gilgul e/ou Morte.

  • Proteja os Adormecidos; eles ignoram as coisas que fazem.
Este também é um costume. Aqueles que ameaçam Adormecidos são vistos com maus olhos pela maioria dos magos.

  • Seja discreto com a sua Arte, para que os Adormecidos não o conheçam por aquilo que você é.
Chamada de "Regra da Sombra", este Protocolo informal foi feito para proteger os magi dos caçadores de bruxas e fanáticos. Apesar de formalmente esta regra não acarretar em nenhuma punição, os magos escandalosos são uma companhia perigosa. O Ostracismo é comum nesses casos, e já se ouviu falar em Marcação.

Punições


  • Censura
Uma punição leve que coloca o mago em "liberdade condicional" por um período indefinido. Ele deverá obedecer as restrições do Tribunal quanto a viagens, associações com outras pessoas ou quanto ao uso de mágika. O Tribunal pode exigir que algum serviço seja feito antes que a Censura seja suspensa.
  • Marcação
Através dessa punição, o Avatar do ofensor é marcado com uma mágika de Espirito. Cada tipo diferente de selo marca-o como um transgressor de um protocolo específico. A marca pode ser detectada através do uso de mágikas simples. A Marcação normalmente é aplicada em conjunto com outro tipo de punição, como o Ostracismo.
  • Ostracismo
O banimento de um mago pode durar de um mês até o fim da vida e, durante esse tempo, nenhum outro mago pode se associar com ele. Aqueles que o fizerem estarão se arriscando a sofrer a Censura ou algo pior.
  • Morte
A sentença de morte é aplicada quando um mago comete um crime sério, como traição ou Infernalismo (acordos com seres demoníacos), mas seu Avatar é inocente. Liberto do seu tormento mortal, o Avatar poderá reencarnar num mago mais honrado. Esta punição é comum entre os Eutanatos.
  • Gilgul
O Gilgul é reservado para os magos tão maléficos que até mesmo seus Avatares foram corrompidos, ou, mais raramente, para mortais sem sorte que nasceram com os Avatares reciclados de Nefandi.
Um conjunto de Mestres arranca e destrói o Avatar. O mago não é machucado, mas torna-se uma casca inútil; ele nunca mais poderá fazer mágikas. Este é um destino horrível, considerado pior que a morte por alguns. Profundamente incapacitados, a maioria dos magos perde sua vontade de viver, mas não tem a força de vontade para acabar com suas vidas.

Conforme dito acima, as regras e punições específicas podem variar um pouco de Tradição para Tradição e inclusive ter variações regionais ou ao longo do tempo. Em todo caso, o material exposto acima representa as linhas gerais que a maioria dos Conselhos locais segue. No caso do Conselho de São Paulo, essas regras também estão bem próximas do que é seguido aqui, embora a dominância do Coro distorça um pouco as coisas.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Personagem exemplo - Balthazar Machado

Este é um personagem que eu criei para uma outra mesa e postei na comunidade para ser usado como exemplo na etapa da criação dos históricos dos personagens. Ele ilustra um pouco o nível de riqueza e detalhamento que eu acho ideal para um personagem. A princípio, ele não fará parte da nossa Crônica, embora talvez possa fazer uma participação especial ou outra, eventualmente.

O ano é 1933. Ele é conhecido como Akalanata, um dos mais proeminentes assassinos do Cálice Dourado. Ele está em uma Capela dos Eutanatos, na Umbra Profunda, investigando um caso de corrupção nefândica entre os membros de sua Tradição. Ele está morrendo.

Caído de joelhos,  traído e descoberto, ele tenta se concentrar em fechar o grande ferimento em seu peito e ignorar o sangue que começa a jorrar para dentro de seus pulmões. Percebendo que seria uma batalha vã, ele se resigna e prepara-se para voltar à Roda.


O mestre corrompido da Capela se aproxima dele. Sua Jhor é tão forte que é palpável, ela faz seu corpo gelar e antigos ferimentos voltarem a doer. O olhar do barabbi sobre ele é de intenso desprezo.

“Eu sei o que você está pensando. Você aceitou a sua morte e prepara sua vingança contra nós para a próxima vida. Eu não permitirei isso. Mutilarei seu corpo, sua mente de tal forma que mesmo na próxima vida você será incapaz de se vingar de nós. Om Bhasara Dan Aratana Kan Rakishan San,Om Basara Dan Aratana Kan ...”


Seu corpo começou a se retorcer, seus membros apodrecendo diante de seus olhos, os ossos dobrando-se como madeira queimada e a dor tão excruciante que o impedia de pensar, deformando sua mente. Um rito da mágika mais negra e perversa, uma morte agonizante que deixaria sequelas pela próxima vida.

Brasil, Município de Magé. Nasce um bebê. Suas pernas serão tortas do nascimento ao fim de sua vida. Seus movimentos, reflexos e engenhosidade, porém, serão a inspiração de toda uma geração. Seu nome é Manuel Francisco dos Santos. Sua lenda é Garrincha. Adormecido e ignorante de sua herança, os reflexos de um dos mais talentosos assassinos da história agora faziam dele um dos maiores nomes do futebol. Viveu e morreu sem jamais vislumbrar a vingança de seu antepassado, cumprindo os desígnios de seu algoz.


Boston, 1983. Nasce o primeiro filho de Mario Manuel Machado e Megan Neri, batizado de Balthazar. Seu pai é um engenheiro brasileiro que imigrou para os EUA, para trabalhar numa multi-nacional, sua mãe uma paisagista americana com ascendência italiana. A infância de Balthazar foi tranquila: ele cresceu uma criança bastante perspicaz (talvez perspicaz até demais, de acordo com alguns professores que estiveram do lado errado de sua língua afiada) e sadia. Até os cinco anos de idade, morou nos Estados Unidos, depois mudaram-se todos para o Brasil, ele e suas duas irmãs, Samanta e Alice. A família se mudou para Brasília, onde os irmãos foram criados. Durante a infância, ele teve contato com o futebol e inclusive mostrou-se um jogador espetacular, mas o cenário pobre do futebol brasiliense cuidou de deixar a carreira de jogador de futebol longe de seus planos. Isso... e o fato que sua grande paixão durante a infância/adolescência, Patricia, não gostava de futebol. Balthazar foi apaixonado por essa menina desde que tinha doze anos e continuou a fim dela até metade dos dezenove. Embora tenham namorado brevemente, durante seis meses, aos seus 17 anos, ela nunca deu muita bola para ele. Ele era um garoto excêntrico e nerd e ela tinha olhos para os rapazes mais velhos e populares. Sua vida amorosa durante a adolescência, portanto, foi um tanto trágica, sem muitos envolvimentos com outras moças. Foi apenas aos dezenove anos, depois de entrar na faculdade de economia, que ele teve seu período maior de paquera. Essa fase durou até os vinte e dois anos, quando se formou. Logo após se formar, ele conseguiu um emprego num banco em São Paulo e se mudou de Brasília.

Foi durante uma crise alérgica, pouco depois de se formar que conheceu Ananda, sua futura esposa. Ela era uma jovem residente de medicina que estava dando plantão e socorreu Balthazar, que descobriu naquele dia que havia desenvolvido uma alergia a chocolate. Ela ficou fascinada por aquele jovem que parecia ter sempre uma resposta afiada e espirituosa na ponta da língua. Ele ficou fascinado por aquela moça quadris largos e seios fartos que ainda cuidava dele com um sorriso no rosto. Um ano depois, casaram-se e em poucos meses tiveram também uma filha, Vitória.


Foi então que aconteceu algo que mudou a vida do casal para sempre.

Para os jornais, ela seria a vítima número 4 do Monstro da Zona Oeste. Para Balthazar, a prova de havia algo de muito errado no mundo. Os meses seguintes foram muito difíceis para o casal. Balthazar desacreditou-se do que fazia, largou o emprego e entrou em depressão. Ananda tentou remediar e superar a situação o melhor que pode, apoiando-o mesmo com uma agenda lotada de plantões, mas simplesmente não era suficiente... até o dia em que, pela segunda vez, ele apareceu em seu hospital.

Havia sido uma tentativa de suicídio séria e ela estava agora desesperadamente tentando trazê-lo de volta, tentando fazer o coração dele voltar a bater, apesar dos remédios que ele havia ingerido. Balthazar vagueava no Mundo dos Mortos.


Foi entre fantasmas, prédios destroçados e lamentos de vidas passadas que ele se deparou com O Escorpião. Uma besta gigantesca, com uma couraça negra e polida, uma cauda ameaçadora, gotejando veneno do ferrão e garras do tamanho de seus braços, a fera o notou e preparou-se para o combate. Ele sentiu sua alma tremer e temeu por si, mesmo estando já no mundo dos mortos por escolha própria.  Aquele, ele sabia, era o Primeiro Escorpião, o pai de todos eles, uma criatura mitológica e primordial, do qual todas as outras eram cópias pálidas. Ele sabia disso num nível subconsciente, sem que soubesse explicar como chegou a esta conclusão. Num bloco de entulho próximo, ele buscou um vergalhão de ferro abandonado e, usando-o como uma lança, armou-se. Ele não estava disposto a deixar-se abater pela fera e a combateria. O Escorpião Primordial notou e por um instante vacilou, talvez reconhecendo ali um adversário que também representaria perigo para si. Os dois estudaram-se por um momento e então, com um movimento de seu ferrão a fera investiu. Balthazar evitou por pouco o golpe e contra-atacou com sua lança. Os dois estavam entrelaçados num combate mortífero, uma dança de golpes e contra-golpes que culminaria com a destruição de um deles. Nenhum deles, porém, era capaz de ferir o outro. Seus movimentos eram quase como uma sombra, um espelho – cada avanço de um era respondido com um retrocesso do outro na mesma medida, mantendo a paridade entre eles. Cada movimento horário encontrava uma resposta no sentido anti-horário, cada passo para a direita provocava um passo para a esquerda do adversário. Foi vendo seus movimentos refletidos dessa forma que, pouco a pouco, Balthazar foi percebendo que ele não estava lutando contra um Escorpião. Ele era o Escorpião, os dois formavam um ser único, um o espelho do outro. E em seu íntimo ele soube também que naquele mesmo instante, seu adversário também havia chegado à mesma percepção, tornando-se então consciente de si mesmo.


Ele havia Despertado. Com uma picada do Escorpião, ele deixou-se voltar à vida e acordou na maca.

Nos meses seguintes, muitas transformações aconteceram. Ananda começou a buscar refúgio na fé hindu – seu tio, na Índia, era um sacerdote de Kali – e se aproximou da comunidade indiana da cidade. Aos poucos, Balthazar também começou a se aproximar daquela doutrina, procurando um conforto para sua perda e tentando também entender melhor o que havia acontecido com ele, a experiência que havia passado e a nova percepção que havia adquirido. Logo, ele foi notado e acolhido pelos Euthanatos da cidade. Eles o educaram e o instruíram sobre seu Despertar, a mágika, a Ascensão, as Tradições e a Chodona. No plano profissional, ele encontrou um novo propósito para si e dedicou-se ao estudo do Direito, para tornar-se promotor e combater as injustiças que presenciava.

Atualmente, alcançou o posto de Chela entre os Eutanatos, tornando-se um membro pleno da Tradição e podendo atuar por conta própria. Embora tenha começado a aplicar a Boa Morte (e já tenha executado sete pessoas até então), ele se afastou de seus antigos companheiros de Marabout por discordâncias na aplicação da Boa Morte a algumas pessoas. Balthazar valoriza tremendamente a vida e normalmente só concede a Boa Morte a alguém que ele esteja completamente convencido que é nocivo ao mundo além do ponto de redenção nesta vida e julgou algumas decisões de seus pares incorretas ou ao menos precipitadas. Com isso, acabou juntando-se a uma cabala de magos de outras Tradições. Profissionalmente, ele recentemente conseguiu assumir a chefia da Promotoria de São Paulo.


*** Diálogos***

-- Oi, Balta, como foi hoje no escritório, querido?
-- Ah, cansativo como sempre, mas gratificante. Os rapazes fizeram ótimos progressos no caso da Ômega, acho que vamos ganhar. Por outro lado, vou ter de tirar o Josué daquela ação contra a Magazine Luíza – acabei de descobrir que uma prima dele trabalha lá e isso pode ter repercussões ruins na mídia se ficarem sabendo. E o pior é que o cretino não me conta nada! Vou ter de passar um sabão nele semana que vem, esse tipo de coisa não dá para brincar. Se os jornais resolvem encrencar com isso, pode dar alguns problemas para o escritório, ainda mais agora em ano eleitoral...
-- Hhhhhmmmm.. por falar em jornais, parece que você está com outra bomba agora, né?
-- Como assim?
-- Oras, o caso lá do rapaz que atropelou o ciclista e jogou o braço no rio! Caiu para vocês, não?
-- Sim, ficou conosco mesmo. E realmente, esse caso vai ser complicado. Poderia ser simples, mas vai ser complicado...
-- Como assim? O que vai fazer?
-- Bom, a solução simples seria destroçar o moleque na corte e jogá-lo na cadeia. A população toda está querendo o couro dele, os jornais estão chamando-o de monstro, as redes sociais estão em polvorosa, não seria nem um pouco difícil ganhar esse caso.
--...mas não é isso que você pretende?
-- Não. A cadeia não vai fazer nenhum bem a ele ou qualquer outra pessoa. O coitado fez uma merda grande, fato, mas foi por acidente e estupidez, não por intenção. Ele não é uma pessoa cruel ou ruim, apenas alguém muito, muito burro. Jogá-lo na cadeia acabaria com a vida dele e da família dele... e não faria nenhum bem ao rapaz que perdeu o braço. O que aquele cara precisa é de arrependimento, não de punição.
-- E como você vai fazer isso, se é um caso já tão ganho?
-- Vou passar o caso para o merdinha do Ferreira. Ele é de longe o promotor mais corrupto que temos no escritório. A família do atropelador tem dinheiro, bastante dinheiro, na certa vão subornar o Ferreira para armar uma acusação bem fraca contra o filho deles. Além disso, acho que consigo fazer uma prece para que também o juiz que pegue o caso seja outro na mesma categoria do Ferreira.
-- Heh, no fim, até os desonestos tem seus usos, não? Mas você não acha que com isso você vai gerar um sentimento de impunidade no rapaz? E se ele achar que é acima da lei e começar a fazer coisas piores? Não seria melhor jogar ele logo agora na cadeia?
-- Sim, eu pensei nisso. Mas, acredito que Lakshmi vai me ajudar nessa parte. Hoje mesmo eu vou começar a fazer minhas preces para que o arrependimento e a culpa lavem o coração daquele mané.
-- E o que exatamente vai pedir que aconteça?
-- Bom, primeiro, que ele sinta a culpa do que fez, a dor e o sofrimento que ele causou. Em seguida, vou arrumar para que aconteçam alguns episódios na vida dele em que ele possa ver e exercer as virtudes e oportunidades de redenção. E, por fim, quando ele se safar, vou fazer com que ele se sinta uma sensação de gratidão ao cosmos pelo ocorrido, vendo aquilo como uma “segunda chance” de fazer o bem dessa vez.
-- Parece um ótimo plano, tomara que dê certo.
-- Se assim estiver nos Vedas, dará.


*** Reflexões ***

Hoje fazia três anos desde que Balthazar concedeu sua primeira Boa Morte. Esse era o termo que utilizavam e o termo que Balthazar preferia; ele não gostava de pensar que assassinava as pessoas, preferia pensar que “concedia a Boa Morte” a elas.

Ainda assim, em alguns momentos, a comparação era inevitável e ele acabava pensando e refletindo sobre isso. Seria mesmo ele um assassino? Ele já havia matado sete pessoas nesses três anos. O homem que assassinara sua filha havia matado seis antes de ser encontrado por outros Eutanatos. Ao dar-se conta disso, a comparação deixou-o um pouco perturbado.

Não”, ele pensou,”é diferente”. Aquele homem matara seis crianças, todas com menos de sete anos de idade. Ele havia matado pessoas da pior espécie, monstros sem salvação. O mundo era um lugar melhor sem eles.

Não, aquela não era a resposta, ele sabia. O que diferenciava as mortes que ele cometeu dos assassinatos de Antônio Pereira não era que ele matava pessoas más e Pereira inocentes. Toda vida possui o mesmo valor, independente dos atos que ela tenha cometido. 

Tampouco era o fato de que as mortes dele faziam do mundo um lugar melhor para se viver. Afinal, como bem o havia lembrado um Guru durante uma viagem sua à Índia, havia sido precisamente a morte de sua filha que o havia tornado um Eutanatos – assim, por essa lógica, Pereira havia também tornado o mundo um lugar melhor por seus atos.

Não, o que os diferenciava eram as atitudes que ambos tomavam em relação ao assassinato. Pereira matava por prazer e crueldade e assim impedia outros de avançarem no Dharma e conspurcava seu próprio karma. Já ele próprio era movido por compaixão. Ele matava alguém para impedir que essa pessoa continuasse causando mal a si mesma, assim como aos outros, para que ela parasse de arruinar seu próprio Destino. Cada morte que ele causava era uma nova chance dada à vítima de escapar de um ciclo vicioso de maus atos e começar de novo.

E era por isso mesmo que ele precisava estar certo que nesta vida não haveria mais chance de redenção para a sua vítima. Mas, como ter certeza sobre isso? Ele não consegue deixar de se lembrar da história do Guru Bhima, um dos melhores mentores que teve contato em sua viagem à Índia. Bhima foi um assassino serial na Índia dos anos 40. Ele havia matado por volta de trinta pessoas... até um dia em que sua irmã – a única que sempre teve carinho por ele – adoeceu gravemente. Ao vê-la sofrendo – e ao sofrer também por ela – ele entendeu o mau que suas ações causavam no mundo e se arrependeu, correndo aos templos e implorando aos sacerdotes para que a salvassem, jurando penitência caso pudessem ajudá-lo.
Foi assim que entrou no caminho que posteriormente culminaria com sua entrada nos Eutanatos... e aí vinha a parte interessante: depois disso, em cinquenta anos como Servo da Roda, ele havia matado apenas outras vinte pessoas, direcionando a maior parte de seus esforços para ao invés disso salvá-las, como havia acontecido consigo mesmo. Vinte em cinquenta anos... e ele em três já havia matado sete.

Não é fácil ser um Euthanatos...



*** Conversas com o Avatar ***

O cano de seu rifle ainda estava quente e os miolos do homem de meia idade estavam frescos na calçada da rua, a trezentos metros de distância.

Balthazar havia completado sua oitava vítima. Oito mortes... e aquela era uma das que mais havia mexido com ele. Era a primeira vez que ele lidava com um caso que tivesse uma relação tão próxima com o assassinato de sua filha, a primeira vez que ele se envolvia tão fortemente com sua vítima. O homem que havia acabado de matar era um estuprador de crianças. Os assassinatos anteriores haviam sido todos executados de uma forma desapegada, distante. Este não. Houve uma identificação com o caso e uma certa passionalidade em seu ato. Isso era algo que ele tentava evitar, era algo que feria os seus preceitos.

Após completar um pequeno ritual, garantindo que a bala que ele disparou jamais seria encontrada, ele foi para casa... e um sentimento de culpa foi surgindo no caminho. Culpa por ter julgado a chance de recuperação daquele homem tão rápido, culpa por não ter repassado o caso dele para uma pessoa mais imparcial, culpa por ter quebrado seu código pessoal e feito um assassinato com o qual ele estava envolvido. 

Ele precisava conversar com alguém... mas ninguém mais o entenderia. Ninguém mais, exceto ele próprio.

Seu avatar costumava aparecer quando ele estava meditando no porão da casa. Além de ser um dos locais mais vazios e quietos que lá haviam, ele também gostava do subterrâneo. O fato de possivelmente haverem escorpiões entre as frestas das madeiras também devia ter alguma relação. Ele apagou as luzes, acendeu os incensos, fechou os olhos e começou a se concentrar em si mesmo, até que pudesse entrar em contato com aquela parte do seu ser.

Normalmente, seu avatar surgia com a forma do grande escorpião que havia encontrado na primeira vez, mas não era sempre o caso. Algumas vezes ele aparecia como as estrelas da constelação que levava seu nome, noutras como um pequeno escorpião comum. Já houve inclusive uma vez em que ele apareceu como um homem nobre trajando roupas com escorpiões bordados.

Desta vez, porém, ele havia aparecido como um ninja de roupas amarelas... e Balthazar mal conseguiu conter a gargalhada quando se deu conta do simbolismo.



-- Scorpion, do Mortal Kombat? Sério? Você me surpreende...

--Não deveria, por diversas razões. Primeiro que estaria surpreendendo a mim mesmo, pois nós dois somos um só. E segundo que este personagem tem mais relação comigo, com esta noite e com o que precisa aprender dela do que você está percebendo.
-- Ah, é?
-- É. Diga-me por que me procurou.
O tom havia sido mais de um comando do que de uma pergunta.
-- Bom... hoje eu assassinei um homem e não estou certo se o que fiz era correto. Aliás, isso, em si mesmo, foi um erro: ter tomado a vida de alguém sem estar certo de que essa era a coisa correta a se fazer. O que fiz foi motivado pelo sentimento de vingança.
-- Exatamente, vingança. E é isso o que precisa aprender, o significado e a natureza da Verdadeira Vingança.
-- Como?
-- Comigo, seu tolo. Eu sou a representação da vingança, a origem e a encarnação deste conceito. Seja na forma do espectro do ninja que teve sua família assassinada, seja na forma do signo de Escorpião, a Vingança é o meu domínio. E esta é a primeira lição que deve aprender sobre ela: a vingança, em si, não é algo ruim ou maligno. A Vingança Divina é pura e justa, uma manifestação do conceito mais amplo da Retribuição Sagrada, o Karma em que você e seus pares acreditam. Toda ação tem sua reação e as consequências de cada ato ecoam por toda a eternidade. Este é um princípio universal e nós somos agentes deste princípio. Alinhe-se com este princípio e suas ações não serão mais ações, serão as reações da Tellurian; elas não gerarão karma, elas serão o karma. Você compreende o que eu digo?
-- Creio que sim, mas ainda não completamente.
-- Deseja que eu o guie para a sua próxima Procura?
-- Não... ainda não. Não creio que eu esteja pronto para ela ainda.
-- Muito bem, mas lembre-se: oito Portões ainda o separam – ainda nos separam – da Verdade... e oito é o meu número.
Ele disse isso e desapareceu, deixando Balthazar vislumbrar num último instante o número oito no lugar dos olhos, dentro da máscara amarela.
Oitava morte, uma morte por vingança, oito, o número do Escorpião. Ter um Avatar especialista em traçar Destinos às vezes o dava a impressão de ser apenas um fantoche de incríveis coincidências.

*** As mulheres da vida de Balthazar ***

Céus, como ele detestava festinhas de criança. Se não fosse o aniversário de um ano de sua sobrinha, Maria Alice e se a outra irmã dele, Samanta, não estivesse vindo de Brasília visitá-los E em depressão com o fim do casamento, ele não teria comparecido. Mas ele compareceu e se arrependeu instantaneamente de sua decisão, no primeiro minuto em pôs os pés na festa. Ele abriu a porta, entrou na casa e seus olhares se cruzaram. Era ela, só poderia ser ela. Com o cabelo mais longo, um pouco mais magra, mas ainda assim, inconfundivelmente ela, com sua pele bem branca, grandes bochechas e olhos azuis.

Patricia, o seu antigo amor. Diabos, quase dez anos que ele não a via – ele tinha até esquecido que ela era amiga de sua irmã, Samanta e que também tinha se mudado para São Paulo. E agora ela estava ali, na sua frente. E por mais que ele detestasse admitir, aquilo tinha mexido um pouco com ele.

Ele abraçou sua esposa, tentou fingir indiferença, cumprimentou a todas e ficou torcendo para que logo aparecesse algum outro marido gente-boa  para ele conversar. No momento, só estava lá o Jair, marido da Alice e o Jair era um cunhado e cunhados são um traste. Como Alice poderia ter se casado com ele?
Alice era mulher dinâmica, cheia de vida e personalidade. Comunicativa e bonita, nunca haviam faltado namorados em seu pé. E ela era competente também; havia se mudado para São Paulo depois dele e em poucos anos havia construído para si uma carreira sólida como tele-jornalista, ele não duvidava que em menos de dois anos ela seria cotada para ser uma âncora na emissora. Já o Jair era um parasita, um blogueiro mal-sucedido que era sustentado pela esposa e passava o dia em sites de redes sociais. O que a Alice havia visto nele, ele jamais entenderia...

...mas por outro lado, fosse o traste que fosse, ele parecia estar fazendo sua irmã bem feliz e isso era algo que parecia estar fazendo falta – e quem sabe até uma certa inveja – na outra, Samanta. Seu casamento de cinco anos havia acabado de desmoronar e ela ainda não havia se reerguido. Ela era bem diferente da irmã. Por um lado, mais meiga e afável, mais cuidadosa e menos explosiva, mas também mais frágil e mais passiva, sem um décimo da pró-atividade da caçula. Estar solteira de novo era um fardo para ela, que nunca havia gostado muito de sair e não sabia direito como paquerar. Por um momento, ele cogitou em fazer uma pequena prece para que a irmã se arranjasse logo e saísse da solidão. Não, melhor não – não ainda, pelo menos. Era melhor deixar para interferir no Destino de alguém quando o curso natural das coisas não se mostrasse satisfatório. Ainda assim, a curiosidade estava grande e ele precisava saber.

Discretamente, ele foi até a cozinha pegar mais uma bebida e lá, sem ser visto, ele tirou uma moeda do bolso, recitou um sutra rápido e a lançou ao ar, amarrando o resultado da jogada ao Tamas da vida amorosa de sua irmã. Coroa: ela não iria se casar com um traste também. A descarga de Ressonância que normalmente se seguia aos seus milagres se espalhou pelo aposento, enchendo a cozinha da energia kármica de retribuição que normalmente caracterizava suas mágikas.  Em geral, ele tentava disfarçar essa Ressonância, mas dessa vez aquilo não o preocupava, ele estava sozinho ali... ou ao menos, achava que estava.

Naquele momento, ele havia acabado de ouvir o som de alguém que estava entrando na cozinha, tropeçado em algo e estatelado-se no chão. E antes mesmo de se virar, ele sabia exatamente quem era.
A Patricia havia acabado de tropeçar num brinquedo da Maria Alice que estava jogado na cozinha – um bichinho de pelúcia que a Ananda havia dado de presente para a sobrinha.

*** Uma porção de detalhes ***

Seguem aqui mais alguns fatos sobre o personagem que eu não tive tempo, paciência ou inspiração para amarrar em alguma narrativa...

Aparência:  Akalanata é um homem de estatura mediana, cabelos e olhos escuros, pele branca. Ele costuma deixar os cabelos curtos, num corte austero que combine com a sua posição no Ministério Público. Ele não é musculoso, mas está em forma graças à prática de artes marciais: ele treina regularmente Muay Thay. Ele possui um sorriso sagaz, olhos vivazes que demonstram sua inteligência rápida e movimentos bastante fluidos.

Sobre a esposa dele, Ananda Asha: Ananda nasceu na Índia, mas veio para o Brasil aos dez anos de idade. Seu pai é um professor de Yoga (Adormecido) e praticante de terapia ayurvédica que veio ao Brasil a convite da Associação Luso-Brasileira de Ayurvédica e Disciplinas Associadas, para ministrar cursos e gerenciar um centro em São Paulo. Ananda veio com seu pai, Savitr, sua mãe, Sunitha e dois irmãos, Sanjaya e Kalidas. O caçula, Nishant, nasceu já no Brasil. Ananda sempre foi uma aluna bastante aplicada aos estudos, pois ouvia da mãe o quanto ela era privilegiada por ter acesso aqui no Brasil a boa educação e a chance de ter uma boa carreira, algo que seria bem mais difícil no interior da Índia, onde moravam. Ela decidiu cursar medicina como uma forma de unir e aplicar os conhecimentos do pai na medicina moderna, estudando os princípios ayurvédicos com o olhar de uma clínica – e os princípios da medicina moderna sob o olhar do Ayurveda. Atualmente, ela é uma patologista do Hospital Ruben Berta. Sua aparência é a de uma típica indiana: rosto redondo, pele e cabelos escuros, seios fartos, cintura fina e quadril largo.

A relação do casal: ambos trabalham bastante, mas sempre que podem, tentam sair juntos para programas de lazer e viagens, tentando evitar ao máximo ficar em casa. A razão disso é dupla: por um lado, isso mantém o casal junto, evita a rotina e serve para relaxar do stress e por outro, ocupa a mente deles para que não fiquem pensando na filha que perderam. Assim, frequentam com certa assiduidade danceterias, shows e casas de stand-up. Também costumam de tempos em tempos promoverem jantares com amigos em sua casa. Os dois se respeitam e se gostam e, embora cada um tenha tido um flerte ocasional ou dois, ainda não se traíram e nem pensam em fazê-lo no momento. Eles moram próximo à Avenida Paulista, em um apartamento.

Entre os Despertos, Balthazar raramente se apresenta pelo seu nome; ele usa o shadow name que ganhou de seu mentor: Akalanata. Balthazar sabe que esse nome foi o nome usado por uma encanação passada sua, seu mentor  o disse isso, embora não saiba mais detalhes sobre essa vida passada sua.

O mentor de Balthazar: Balthazar foi treinado por um Chakravanti que conheceu no templo hindu de São Paulo, Guru Henrique Alves, um professor do Instituto de Ciência, Cultura e Filosofia Hindu. Henrique é um homem negro de estatura impressionante, musculoso e de fala bastante grave, mas que apesar disso, emana uma paz e serenidade grandes. Sua idade real está próxima dos 70 anos, mas mágikas de Vida o garantem a aparência de alguém recém chegado aos 40 anos. Henrique é uma pessoa festeira e bem humorada e, apesar do contato e conhecimento forte com a cultura hindu, adora um samba no Brás. Foi ele quem percebeu que Balthazar era um Desperto e, ao identificar a vida anterior de seu pupilo, foi ele também que o treinou para ser um assassino, ensinando-o tanto a manusear armas de fogo quanto técnicas de luta corporal. Todavia, os dois se afastaram recentemente após um desentendimento com relação a Boa Morte: Henrique possui uma postura bem mais rígida e prática que Balthazar, hesitando menos em enviar certas pessoas para sua próxima encarnação.

O Legado de Akalanata: o mago corrupto que matou uma de suas encarnações anteriores continua vivo e poderoso... e o Avatar de Balthazar ainda não se esqueceu dele. Em tempo, ele o guiará para sua Vingança.
O trabalho: Balthazar assumiu recentemente a chefia do escritório do Ministério Público em São Paulo. Sendo assim, ele gerencia a Promotoria da cidade, repassando os casos para seus  subordinados, atuando pessoalmente em um ou outro processo mais quente e gerindo as relações do MP com os demais órgãos do governo. Lá ele é conhecido como Promotor Machado.

Amigos: devido tanto à sua personalidade quanto a seu cargo, Balthazar possui um círculo social grande. Seus principais amigos, porém, são:

 Marcelo Dias, seu melhor amigo de infância, dos dias de Brasília e que também se mudou para São Paulo. Trabalha num banco de investimentos. Solteirão, gosta das gandaias e baladas – o que faz com que Ananda tenha uma leve antipatia por ele. Ele faz o estilo “macho-alfa”, gosta de ternos caros, carros potentes, festas grandes, mulheres gostosas e muito dinheiro no bolso.

Procópio Goulart, um amigo de trabalho, mais velho (casa dos quarenta anos), com quem divide seus perrengues e alegrias do escritório e ocasionalmente sai para um happy hour.

Fernando e Beth, um casal de amigos que ele e a esposa conheceram numa viagem à Machu Picchu e com quem sempre marcam programas de casal e viagens. Beth é uma recém-Desperta da Ordem de Hermes, professora de História da Arte e Fernando é um Adormecido que trabalha como diplomata e é metido à sommelier.

Família: Faz cinco anos que os pais dele se mudaram de volta para os Estados Unidos, quando o estado de saúde de sua avó materna piorou e sua mãe quis voltar para ficar com ela. Suas irmãs ainda estão no Brasil, uma delas, Samanta, é uma servidora pública e mora ainda em Brasília e a outra, Alice, está morando também em São Paulo, trabalhando como telejornalista. Ele não possui contato relevante com seus primos, que em sua maioria estão em Minas Gerais e seus avós paternos já falecerem ambos.

Assassinatos: Até agora, Balthazar matou oito pessoas. Segue abaixo uma pequena descrição das vítimas:

O cabelo dele é um pouco mais curto, na verdade.

Fernão Barros, um juiz depravado que protegia criminosos, assediava mulheres e assassinou alguns desafetos – o caso mais famoso sendo um frentista que negou-lhe a vender bebida depois que o comércio do posto havia fechado. Este foi a primeira pessoa que Akalanata matou, em conjunto com seu mentor.

Glauco Achiles, “O Galego”, um traficante amigo do juiz Fernão Barros. Novamente, foi um assassinato executado em conjunto com o seu mentor, quando ambos estavam desmantelando a rede criada por ambos.

Tenente Carvalho, um policial militar que fazia parte do esquema com o Galego e o juiz. Também um assassinato executado quando ele ainda era um pupilo de seu mentor.

Gracília Santos e Rodolfo Santos, as últimas vítimas que matou junto com seu mentor, eram um casal que drogava e abusava de mulheres. Esse foi o ponto de discordância entre os dois: Akalanata não acreditava que a Boa Morte era adequada a eles, que ainda possuíam salvação, mas foi coagido por Alves a executá-los.

Fabiano Castro: um assassino serial, filho de um Senador.

Eduardo Moreno, um vampiro do Sabá.

Godofredo Araullo: a oitava e última vítima (até o momento) de Akalanata é um senhor que sequestrava crianças e as mantinha em cativeiro, abusando delas: ele havia mantido três garotas por mais de dez anos reféns, estuprando-as regularmente. Chegou inclusive a ter uma filha com uma delas, que já estava começando a ser abusada. Este foi um dos casos que mais abalou Balthazar, tanto pela natureza repugnante do ato em si, quanto também por lembrá-lo do que houve com sua filha. Foi o primeiro caso em que tomou a decisão de forma rápida e tempestiva, assassinando o sujeito dois depois de tomar conhecimento do caso. Isso posteriormente causou uma certa crise de consciência nele, por ter sido um assassinato mais passional.

Temas de histórias futuras: alguns temas que combinam com o personagem ou ideias para desenvolvimentos futuros na história pessoal dele.

Limpeza no alto escalão da corrupção – nesse tema, Balthazar é uma força de mudança dentro do cenário, empreendendo uma cruzada pessoal para limpar, pelos meios que forem, a política brasileira, tão corrupta e degenerada.

Auxiliando a Redenção – Balthazar verdadeiramente acredita que algumas pessoas podem ser salvas e não merecem a Boa Morte. Essa seria a hora de por esse credo a prova, conduzindo alguém à Redenção ao invés de passá-la a próxima encarnação.

Aprendendo a ser um Agente do Karma – um dos grandes temas do personagem, da Tradição dele, da Esfera que utiliza e do próprio jogo são as consequências dos próprios atos. Aqui, o personagem aprenderia melhor sobre como lidar com essas consequências, como elas afetam a cada pessoa e a como se tornar ele próprio um agente dessa força.

O Aprendizado do Perdão – a força oposta e complementar ao conceito da Vingança, Karma e Retribuição enraizados no personagem é o Perdão. Por mais que esteja tão empenhado em se tornar parte do Karma, para verdadeiramente Ascender ele precisa aprender também a lidar e conceder o Perdão ao invés da Vingança, entendendo como Perdão e Piedade podem coexistir com o conceito de Retribuição e Consequência sem que um anule o outro.  Compreender esse aparente paradoxo o levaria a Ascensão (ou ao menos o tornaria mais próximo dela), enquanto a falha o deixaria estagnado como um simples – ainda que poderoso – agente da Vingança.