quarta-feira, 5 de junho de 2013

Personagem exemplo - Balthazar Machado

Este é um personagem que eu criei para uma outra mesa e postei na comunidade para ser usado como exemplo na etapa da criação dos históricos dos personagens. Ele ilustra um pouco o nível de riqueza e detalhamento que eu acho ideal para um personagem. A princípio, ele não fará parte da nossa Crônica, embora talvez possa fazer uma participação especial ou outra, eventualmente.

O ano é 1933. Ele é conhecido como Akalanata, um dos mais proeminentes assassinos do Cálice Dourado. Ele está em uma Capela dos Eutanatos, na Umbra Profunda, investigando um caso de corrupção nefândica entre os membros de sua Tradição. Ele está morrendo.

Caído de joelhos,  traído e descoberto, ele tenta se concentrar em fechar o grande ferimento em seu peito e ignorar o sangue que começa a jorrar para dentro de seus pulmões. Percebendo que seria uma batalha vã, ele se resigna e prepara-se para voltar à Roda.


O mestre corrompido da Capela se aproxima dele. Sua Jhor é tão forte que é palpável, ela faz seu corpo gelar e antigos ferimentos voltarem a doer. O olhar do barabbi sobre ele é de intenso desprezo.

“Eu sei o que você está pensando. Você aceitou a sua morte e prepara sua vingança contra nós para a próxima vida. Eu não permitirei isso. Mutilarei seu corpo, sua mente de tal forma que mesmo na próxima vida você será incapaz de se vingar de nós. Om Bhasara Dan Aratana Kan Rakishan San,Om Basara Dan Aratana Kan ...”


Seu corpo começou a se retorcer, seus membros apodrecendo diante de seus olhos, os ossos dobrando-se como madeira queimada e a dor tão excruciante que o impedia de pensar, deformando sua mente. Um rito da mágika mais negra e perversa, uma morte agonizante que deixaria sequelas pela próxima vida.

Brasil, Município de Magé. Nasce um bebê. Suas pernas serão tortas do nascimento ao fim de sua vida. Seus movimentos, reflexos e engenhosidade, porém, serão a inspiração de toda uma geração. Seu nome é Manuel Francisco dos Santos. Sua lenda é Garrincha. Adormecido e ignorante de sua herança, os reflexos de um dos mais talentosos assassinos da história agora faziam dele um dos maiores nomes do futebol. Viveu e morreu sem jamais vislumbrar a vingança de seu antepassado, cumprindo os desígnios de seu algoz.


Boston, 1983. Nasce o primeiro filho de Mario Manuel Machado e Megan Neri, batizado de Balthazar. Seu pai é um engenheiro brasileiro que imigrou para os EUA, para trabalhar numa multi-nacional, sua mãe uma paisagista americana com ascendência italiana. A infância de Balthazar foi tranquila: ele cresceu uma criança bastante perspicaz (talvez perspicaz até demais, de acordo com alguns professores que estiveram do lado errado de sua língua afiada) e sadia. Até os cinco anos de idade, morou nos Estados Unidos, depois mudaram-se todos para o Brasil, ele e suas duas irmãs, Samanta e Alice. A família se mudou para Brasília, onde os irmãos foram criados. Durante a infância, ele teve contato com o futebol e inclusive mostrou-se um jogador espetacular, mas o cenário pobre do futebol brasiliense cuidou de deixar a carreira de jogador de futebol longe de seus planos. Isso... e o fato que sua grande paixão durante a infância/adolescência, Patricia, não gostava de futebol. Balthazar foi apaixonado por essa menina desde que tinha doze anos e continuou a fim dela até metade dos dezenove. Embora tenham namorado brevemente, durante seis meses, aos seus 17 anos, ela nunca deu muita bola para ele. Ele era um garoto excêntrico e nerd e ela tinha olhos para os rapazes mais velhos e populares. Sua vida amorosa durante a adolescência, portanto, foi um tanto trágica, sem muitos envolvimentos com outras moças. Foi apenas aos dezenove anos, depois de entrar na faculdade de economia, que ele teve seu período maior de paquera. Essa fase durou até os vinte e dois anos, quando se formou. Logo após se formar, ele conseguiu um emprego num banco em São Paulo e se mudou de Brasília.

Foi durante uma crise alérgica, pouco depois de se formar que conheceu Ananda, sua futura esposa. Ela era uma jovem residente de medicina que estava dando plantão e socorreu Balthazar, que descobriu naquele dia que havia desenvolvido uma alergia a chocolate. Ela ficou fascinada por aquele jovem que parecia ter sempre uma resposta afiada e espirituosa na ponta da língua. Ele ficou fascinado por aquela moça quadris largos e seios fartos que ainda cuidava dele com um sorriso no rosto. Um ano depois, casaram-se e em poucos meses tiveram também uma filha, Vitória.


Foi então que aconteceu algo que mudou a vida do casal para sempre.

Para os jornais, ela seria a vítima número 4 do Monstro da Zona Oeste. Para Balthazar, a prova de havia algo de muito errado no mundo. Os meses seguintes foram muito difíceis para o casal. Balthazar desacreditou-se do que fazia, largou o emprego e entrou em depressão. Ananda tentou remediar e superar a situação o melhor que pode, apoiando-o mesmo com uma agenda lotada de plantões, mas simplesmente não era suficiente... até o dia em que, pela segunda vez, ele apareceu em seu hospital.

Havia sido uma tentativa de suicídio séria e ela estava agora desesperadamente tentando trazê-lo de volta, tentando fazer o coração dele voltar a bater, apesar dos remédios que ele havia ingerido. Balthazar vagueava no Mundo dos Mortos.


Foi entre fantasmas, prédios destroçados e lamentos de vidas passadas que ele se deparou com O Escorpião. Uma besta gigantesca, com uma couraça negra e polida, uma cauda ameaçadora, gotejando veneno do ferrão e garras do tamanho de seus braços, a fera o notou e preparou-se para o combate. Ele sentiu sua alma tremer e temeu por si, mesmo estando já no mundo dos mortos por escolha própria.  Aquele, ele sabia, era o Primeiro Escorpião, o pai de todos eles, uma criatura mitológica e primordial, do qual todas as outras eram cópias pálidas. Ele sabia disso num nível subconsciente, sem que soubesse explicar como chegou a esta conclusão. Num bloco de entulho próximo, ele buscou um vergalhão de ferro abandonado e, usando-o como uma lança, armou-se. Ele não estava disposto a deixar-se abater pela fera e a combateria. O Escorpião Primordial notou e por um instante vacilou, talvez reconhecendo ali um adversário que também representaria perigo para si. Os dois estudaram-se por um momento e então, com um movimento de seu ferrão a fera investiu. Balthazar evitou por pouco o golpe e contra-atacou com sua lança. Os dois estavam entrelaçados num combate mortífero, uma dança de golpes e contra-golpes que culminaria com a destruição de um deles. Nenhum deles, porém, era capaz de ferir o outro. Seus movimentos eram quase como uma sombra, um espelho – cada avanço de um era respondido com um retrocesso do outro na mesma medida, mantendo a paridade entre eles. Cada movimento horário encontrava uma resposta no sentido anti-horário, cada passo para a direita provocava um passo para a esquerda do adversário. Foi vendo seus movimentos refletidos dessa forma que, pouco a pouco, Balthazar foi percebendo que ele não estava lutando contra um Escorpião. Ele era o Escorpião, os dois formavam um ser único, um o espelho do outro. E em seu íntimo ele soube também que naquele mesmo instante, seu adversário também havia chegado à mesma percepção, tornando-se então consciente de si mesmo.


Ele havia Despertado. Com uma picada do Escorpião, ele deixou-se voltar à vida e acordou na maca.

Nos meses seguintes, muitas transformações aconteceram. Ananda começou a buscar refúgio na fé hindu – seu tio, na Índia, era um sacerdote de Kali – e se aproximou da comunidade indiana da cidade. Aos poucos, Balthazar também começou a se aproximar daquela doutrina, procurando um conforto para sua perda e tentando também entender melhor o que havia acontecido com ele, a experiência que havia passado e a nova percepção que havia adquirido. Logo, ele foi notado e acolhido pelos Euthanatos da cidade. Eles o educaram e o instruíram sobre seu Despertar, a mágika, a Ascensão, as Tradições e a Chodona. No plano profissional, ele encontrou um novo propósito para si e dedicou-se ao estudo do Direito, para tornar-se promotor e combater as injustiças que presenciava.

Atualmente, alcançou o posto de Chela entre os Eutanatos, tornando-se um membro pleno da Tradição e podendo atuar por conta própria. Embora tenha começado a aplicar a Boa Morte (e já tenha executado sete pessoas até então), ele se afastou de seus antigos companheiros de Marabout por discordâncias na aplicação da Boa Morte a algumas pessoas. Balthazar valoriza tremendamente a vida e normalmente só concede a Boa Morte a alguém que ele esteja completamente convencido que é nocivo ao mundo além do ponto de redenção nesta vida e julgou algumas decisões de seus pares incorretas ou ao menos precipitadas. Com isso, acabou juntando-se a uma cabala de magos de outras Tradições. Profissionalmente, ele recentemente conseguiu assumir a chefia da Promotoria de São Paulo.


*** Diálogos***

-- Oi, Balta, como foi hoje no escritório, querido?
-- Ah, cansativo como sempre, mas gratificante. Os rapazes fizeram ótimos progressos no caso da Ômega, acho que vamos ganhar. Por outro lado, vou ter de tirar o Josué daquela ação contra a Magazine Luíza – acabei de descobrir que uma prima dele trabalha lá e isso pode ter repercussões ruins na mídia se ficarem sabendo. E o pior é que o cretino não me conta nada! Vou ter de passar um sabão nele semana que vem, esse tipo de coisa não dá para brincar. Se os jornais resolvem encrencar com isso, pode dar alguns problemas para o escritório, ainda mais agora em ano eleitoral...
-- Hhhhhmmmm.. por falar em jornais, parece que você está com outra bomba agora, né?
-- Como assim?
-- Oras, o caso lá do rapaz que atropelou o ciclista e jogou o braço no rio! Caiu para vocês, não?
-- Sim, ficou conosco mesmo. E realmente, esse caso vai ser complicado. Poderia ser simples, mas vai ser complicado...
-- Como assim? O que vai fazer?
-- Bom, a solução simples seria destroçar o moleque na corte e jogá-lo na cadeia. A população toda está querendo o couro dele, os jornais estão chamando-o de monstro, as redes sociais estão em polvorosa, não seria nem um pouco difícil ganhar esse caso.
--...mas não é isso que você pretende?
-- Não. A cadeia não vai fazer nenhum bem a ele ou qualquer outra pessoa. O coitado fez uma merda grande, fato, mas foi por acidente e estupidez, não por intenção. Ele não é uma pessoa cruel ou ruim, apenas alguém muito, muito burro. Jogá-lo na cadeia acabaria com a vida dele e da família dele... e não faria nenhum bem ao rapaz que perdeu o braço. O que aquele cara precisa é de arrependimento, não de punição.
-- E como você vai fazer isso, se é um caso já tão ganho?
-- Vou passar o caso para o merdinha do Ferreira. Ele é de longe o promotor mais corrupto que temos no escritório. A família do atropelador tem dinheiro, bastante dinheiro, na certa vão subornar o Ferreira para armar uma acusação bem fraca contra o filho deles. Além disso, acho que consigo fazer uma prece para que também o juiz que pegue o caso seja outro na mesma categoria do Ferreira.
-- Heh, no fim, até os desonestos tem seus usos, não? Mas você não acha que com isso você vai gerar um sentimento de impunidade no rapaz? E se ele achar que é acima da lei e começar a fazer coisas piores? Não seria melhor jogar ele logo agora na cadeia?
-- Sim, eu pensei nisso. Mas, acredito que Lakshmi vai me ajudar nessa parte. Hoje mesmo eu vou começar a fazer minhas preces para que o arrependimento e a culpa lavem o coração daquele mané.
-- E o que exatamente vai pedir que aconteça?
-- Bom, primeiro, que ele sinta a culpa do que fez, a dor e o sofrimento que ele causou. Em seguida, vou arrumar para que aconteçam alguns episódios na vida dele em que ele possa ver e exercer as virtudes e oportunidades de redenção. E, por fim, quando ele se safar, vou fazer com que ele se sinta uma sensação de gratidão ao cosmos pelo ocorrido, vendo aquilo como uma “segunda chance” de fazer o bem dessa vez.
-- Parece um ótimo plano, tomara que dê certo.
-- Se assim estiver nos Vedas, dará.


*** Reflexões ***

Hoje fazia três anos desde que Balthazar concedeu sua primeira Boa Morte. Esse era o termo que utilizavam e o termo que Balthazar preferia; ele não gostava de pensar que assassinava as pessoas, preferia pensar que “concedia a Boa Morte” a elas.

Ainda assim, em alguns momentos, a comparação era inevitável e ele acabava pensando e refletindo sobre isso. Seria mesmo ele um assassino? Ele já havia matado sete pessoas nesses três anos. O homem que assassinara sua filha havia matado seis antes de ser encontrado por outros Eutanatos. Ao dar-se conta disso, a comparação deixou-o um pouco perturbado.

Não”, ele pensou,”é diferente”. Aquele homem matara seis crianças, todas com menos de sete anos de idade. Ele havia matado pessoas da pior espécie, monstros sem salvação. O mundo era um lugar melhor sem eles.

Não, aquela não era a resposta, ele sabia. O que diferenciava as mortes que ele cometeu dos assassinatos de Antônio Pereira não era que ele matava pessoas más e Pereira inocentes. Toda vida possui o mesmo valor, independente dos atos que ela tenha cometido. 

Tampouco era o fato de que as mortes dele faziam do mundo um lugar melhor para se viver. Afinal, como bem o havia lembrado um Guru durante uma viagem sua à Índia, havia sido precisamente a morte de sua filha que o havia tornado um Eutanatos – assim, por essa lógica, Pereira havia também tornado o mundo um lugar melhor por seus atos.

Não, o que os diferenciava eram as atitudes que ambos tomavam em relação ao assassinato. Pereira matava por prazer e crueldade e assim impedia outros de avançarem no Dharma e conspurcava seu próprio karma. Já ele próprio era movido por compaixão. Ele matava alguém para impedir que essa pessoa continuasse causando mal a si mesma, assim como aos outros, para que ela parasse de arruinar seu próprio Destino. Cada morte que ele causava era uma nova chance dada à vítima de escapar de um ciclo vicioso de maus atos e começar de novo.

E era por isso mesmo que ele precisava estar certo que nesta vida não haveria mais chance de redenção para a sua vítima. Mas, como ter certeza sobre isso? Ele não consegue deixar de se lembrar da história do Guru Bhima, um dos melhores mentores que teve contato em sua viagem à Índia. Bhima foi um assassino serial na Índia dos anos 40. Ele havia matado por volta de trinta pessoas... até um dia em que sua irmã – a única que sempre teve carinho por ele – adoeceu gravemente. Ao vê-la sofrendo – e ao sofrer também por ela – ele entendeu o mau que suas ações causavam no mundo e se arrependeu, correndo aos templos e implorando aos sacerdotes para que a salvassem, jurando penitência caso pudessem ajudá-lo.
Foi assim que entrou no caminho que posteriormente culminaria com sua entrada nos Eutanatos... e aí vinha a parte interessante: depois disso, em cinquenta anos como Servo da Roda, ele havia matado apenas outras vinte pessoas, direcionando a maior parte de seus esforços para ao invés disso salvá-las, como havia acontecido consigo mesmo. Vinte em cinquenta anos... e ele em três já havia matado sete.

Não é fácil ser um Euthanatos...



*** Conversas com o Avatar ***

O cano de seu rifle ainda estava quente e os miolos do homem de meia idade estavam frescos na calçada da rua, a trezentos metros de distância.

Balthazar havia completado sua oitava vítima. Oito mortes... e aquela era uma das que mais havia mexido com ele. Era a primeira vez que ele lidava com um caso que tivesse uma relação tão próxima com o assassinato de sua filha, a primeira vez que ele se envolvia tão fortemente com sua vítima. O homem que havia acabado de matar era um estuprador de crianças. Os assassinatos anteriores haviam sido todos executados de uma forma desapegada, distante. Este não. Houve uma identificação com o caso e uma certa passionalidade em seu ato. Isso era algo que ele tentava evitar, era algo que feria os seus preceitos.

Após completar um pequeno ritual, garantindo que a bala que ele disparou jamais seria encontrada, ele foi para casa... e um sentimento de culpa foi surgindo no caminho. Culpa por ter julgado a chance de recuperação daquele homem tão rápido, culpa por não ter repassado o caso dele para uma pessoa mais imparcial, culpa por ter quebrado seu código pessoal e feito um assassinato com o qual ele estava envolvido. 

Ele precisava conversar com alguém... mas ninguém mais o entenderia. Ninguém mais, exceto ele próprio.

Seu avatar costumava aparecer quando ele estava meditando no porão da casa. Além de ser um dos locais mais vazios e quietos que lá haviam, ele também gostava do subterrâneo. O fato de possivelmente haverem escorpiões entre as frestas das madeiras também devia ter alguma relação. Ele apagou as luzes, acendeu os incensos, fechou os olhos e começou a se concentrar em si mesmo, até que pudesse entrar em contato com aquela parte do seu ser.

Normalmente, seu avatar surgia com a forma do grande escorpião que havia encontrado na primeira vez, mas não era sempre o caso. Algumas vezes ele aparecia como as estrelas da constelação que levava seu nome, noutras como um pequeno escorpião comum. Já houve inclusive uma vez em que ele apareceu como um homem nobre trajando roupas com escorpiões bordados.

Desta vez, porém, ele havia aparecido como um ninja de roupas amarelas... e Balthazar mal conseguiu conter a gargalhada quando se deu conta do simbolismo.



-- Scorpion, do Mortal Kombat? Sério? Você me surpreende...

--Não deveria, por diversas razões. Primeiro que estaria surpreendendo a mim mesmo, pois nós dois somos um só. E segundo que este personagem tem mais relação comigo, com esta noite e com o que precisa aprender dela do que você está percebendo.
-- Ah, é?
-- É. Diga-me por que me procurou.
O tom havia sido mais de um comando do que de uma pergunta.
-- Bom... hoje eu assassinei um homem e não estou certo se o que fiz era correto. Aliás, isso, em si mesmo, foi um erro: ter tomado a vida de alguém sem estar certo de que essa era a coisa correta a se fazer. O que fiz foi motivado pelo sentimento de vingança.
-- Exatamente, vingança. E é isso o que precisa aprender, o significado e a natureza da Verdadeira Vingança.
-- Como?
-- Comigo, seu tolo. Eu sou a representação da vingança, a origem e a encarnação deste conceito. Seja na forma do espectro do ninja que teve sua família assassinada, seja na forma do signo de Escorpião, a Vingança é o meu domínio. E esta é a primeira lição que deve aprender sobre ela: a vingança, em si, não é algo ruim ou maligno. A Vingança Divina é pura e justa, uma manifestação do conceito mais amplo da Retribuição Sagrada, o Karma em que você e seus pares acreditam. Toda ação tem sua reação e as consequências de cada ato ecoam por toda a eternidade. Este é um princípio universal e nós somos agentes deste princípio. Alinhe-se com este princípio e suas ações não serão mais ações, serão as reações da Tellurian; elas não gerarão karma, elas serão o karma. Você compreende o que eu digo?
-- Creio que sim, mas ainda não completamente.
-- Deseja que eu o guie para a sua próxima Procura?
-- Não... ainda não. Não creio que eu esteja pronto para ela ainda.
-- Muito bem, mas lembre-se: oito Portões ainda o separam – ainda nos separam – da Verdade... e oito é o meu número.
Ele disse isso e desapareceu, deixando Balthazar vislumbrar num último instante o número oito no lugar dos olhos, dentro da máscara amarela.
Oitava morte, uma morte por vingança, oito, o número do Escorpião. Ter um Avatar especialista em traçar Destinos às vezes o dava a impressão de ser apenas um fantoche de incríveis coincidências.

*** As mulheres da vida de Balthazar ***

Céus, como ele detestava festinhas de criança. Se não fosse o aniversário de um ano de sua sobrinha, Maria Alice e se a outra irmã dele, Samanta, não estivesse vindo de Brasília visitá-los E em depressão com o fim do casamento, ele não teria comparecido. Mas ele compareceu e se arrependeu instantaneamente de sua decisão, no primeiro minuto em pôs os pés na festa. Ele abriu a porta, entrou na casa e seus olhares se cruzaram. Era ela, só poderia ser ela. Com o cabelo mais longo, um pouco mais magra, mas ainda assim, inconfundivelmente ela, com sua pele bem branca, grandes bochechas e olhos azuis.

Patricia, o seu antigo amor. Diabos, quase dez anos que ele não a via – ele tinha até esquecido que ela era amiga de sua irmã, Samanta e que também tinha se mudado para São Paulo. E agora ela estava ali, na sua frente. E por mais que ele detestasse admitir, aquilo tinha mexido um pouco com ele.

Ele abraçou sua esposa, tentou fingir indiferença, cumprimentou a todas e ficou torcendo para que logo aparecesse algum outro marido gente-boa  para ele conversar. No momento, só estava lá o Jair, marido da Alice e o Jair era um cunhado e cunhados são um traste. Como Alice poderia ter se casado com ele?
Alice era mulher dinâmica, cheia de vida e personalidade. Comunicativa e bonita, nunca haviam faltado namorados em seu pé. E ela era competente também; havia se mudado para São Paulo depois dele e em poucos anos havia construído para si uma carreira sólida como tele-jornalista, ele não duvidava que em menos de dois anos ela seria cotada para ser uma âncora na emissora. Já o Jair era um parasita, um blogueiro mal-sucedido que era sustentado pela esposa e passava o dia em sites de redes sociais. O que a Alice havia visto nele, ele jamais entenderia...

...mas por outro lado, fosse o traste que fosse, ele parecia estar fazendo sua irmã bem feliz e isso era algo que parecia estar fazendo falta – e quem sabe até uma certa inveja – na outra, Samanta. Seu casamento de cinco anos havia acabado de desmoronar e ela ainda não havia se reerguido. Ela era bem diferente da irmã. Por um lado, mais meiga e afável, mais cuidadosa e menos explosiva, mas também mais frágil e mais passiva, sem um décimo da pró-atividade da caçula. Estar solteira de novo era um fardo para ela, que nunca havia gostado muito de sair e não sabia direito como paquerar. Por um momento, ele cogitou em fazer uma pequena prece para que a irmã se arranjasse logo e saísse da solidão. Não, melhor não – não ainda, pelo menos. Era melhor deixar para interferir no Destino de alguém quando o curso natural das coisas não se mostrasse satisfatório. Ainda assim, a curiosidade estava grande e ele precisava saber.

Discretamente, ele foi até a cozinha pegar mais uma bebida e lá, sem ser visto, ele tirou uma moeda do bolso, recitou um sutra rápido e a lançou ao ar, amarrando o resultado da jogada ao Tamas da vida amorosa de sua irmã. Coroa: ela não iria se casar com um traste também. A descarga de Ressonância que normalmente se seguia aos seus milagres se espalhou pelo aposento, enchendo a cozinha da energia kármica de retribuição que normalmente caracterizava suas mágikas.  Em geral, ele tentava disfarçar essa Ressonância, mas dessa vez aquilo não o preocupava, ele estava sozinho ali... ou ao menos, achava que estava.

Naquele momento, ele havia acabado de ouvir o som de alguém que estava entrando na cozinha, tropeçado em algo e estatelado-se no chão. E antes mesmo de se virar, ele sabia exatamente quem era.
A Patricia havia acabado de tropeçar num brinquedo da Maria Alice que estava jogado na cozinha – um bichinho de pelúcia que a Ananda havia dado de presente para a sobrinha.

*** Uma porção de detalhes ***

Seguem aqui mais alguns fatos sobre o personagem que eu não tive tempo, paciência ou inspiração para amarrar em alguma narrativa...

Aparência:  Akalanata é um homem de estatura mediana, cabelos e olhos escuros, pele branca. Ele costuma deixar os cabelos curtos, num corte austero que combine com a sua posição no Ministério Público. Ele não é musculoso, mas está em forma graças à prática de artes marciais: ele treina regularmente Muay Thay. Ele possui um sorriso sagaz, olhos vivazes que demonstram sua inteligência rápida e movimentos bastante fluidos.

Sobre a esposa dele, Ananda Asha: Ananda nasceu na Índia, mas veio para o Brasil aos dez anos de idade. Seu pai é um professor de Yoga (Adormecido) e praticante de terapia ayurvédica que veio ao Brasil a convite da Associação Luso-Brasileira de Ayurvédica e Disciplinas Associadas, para ministrar cursos e gerenciar um centro em São Paulo. Ananda veio com seu pai, Savitr, sua mãe, Sunitha e dois irmãos, Sanjaya e Kalidas. O caçula, Nishant, nasceu já no Brasil. Ananda sempre foi uma aluna bastante aplicada aos estudos, pois ouvia da mãe o quanto ela era privilegiada por ter acesso aqui no Brasil a boa educação e a chance de ter uma boa carreira, algo que seria bem mais difícil no interior da Índia, onde moravam. Ela decidiu cursar medicina como uma forma de unir e aplicar os conhecimentos do pai na medicina moderna, estudando os princípios ayurvédicos com o olhar de uma clínica – e os princípios da medicina moderna sob o olhar do Ayurveda. Atualmente, ela é uma patologista do Hospital Ruben Berta. Sua aparência é a de uma típica indiana: rosto redondo, pele e cabelos escuros, seios fartos, cintura fina e quadril largo.

A relação do casal: ambos trabalham bastante, mas sempre que podem, tentam sair juntos para programas de lazer e viagens, tentando evitar ao máximo ficar em casa. A razão disso é dupla: por um lado, isso mantém o casal junto, evita a rotina e serve para relaxar do stress e por outro, ocupa a mente deles para que não fiquem pensando na filha que perderam. Assim, frequentam com certa assiduidade danceterias, shows e casas de stand-up. Também costumam de tempos em tempos promoverem jantares com amigos em sua casa. Os dois se respeitam e se gostam e, embora cada um tenha tido um flerte ocasional ou dois, ainda não se traíram e nem pensam em fazê-lo no momento. Eles moram próximo à Avenida Paulista, em um apartamento.

Entre os Despertos, Balthazar raramente se apresenta pelo seu nome; ele usa o shadow name que ganhou de seu mentor: Akalanata. Balthazar sabe que esse nome foi o nome usado por uma encanação passada sua, seu mentor  o disse isso, embora não saiba mais detalhes sobre essa vida passada sua.

O mentor de Balthazar: Balthazar foi treinado por um Chakravanti que conheceu no templo hindu de São Paulo, Guru Henrique Alves, um professor do Instituto de Ciência, Cultura e Filosofia Hindu. Henrique é um homem negro de estatura impressionante, musculoso e de fala bastante grave, mas que apesar disso, emana uma paz e serenidade grandes. Sua idade real está próxima dos 70 anos, mas mágikas de Vida o garantem a aparência de alguém recém chegado aos 40 anos. Henrique é uma pessoa festeira e bem humorada e, apesar do contato e conhecimento forte com a cultura hindu, adora um samba no Brás. Foi ele quem percebeu que Balthazar era um Desperto e, ao identificar a vida anterior de seu pupilo, foi ele também que o treinou para ser um assassino, ensinando-o tanto a manusear armas de fogo quanto técnicas de luta corporal. Todavia, os dois se afastaram recentemente após um desentendimento com relação a Boa Morte: Henrique possui uma postura bem mais rígida e prática que Balthazar, hesitando menos em enviar certas pessoas para sua próxima encarnação.

O Legado de Akalanata: o mago corrupto que matou uma de suas encarnações anteriores continua vivo e poderoso... e o Avatar de Balthazar ainda não se esqueceu dele. Em tempo, ele o guiará para sua Vingança.
O trabalho: Balthazar assumiu recentemente a chefia do escritório do Ministério Público em São Paulo. Sendo assim, ele gerencia a Promotoria da cidade, repassando os casos para seus  subordinados, atuando pessoalmente em um ou outro processo mais quente e gerindo as relações do MP com os demais órgãos do governo. Lá ele é conhecido como Promotor Machado.

Amigos: devido tanto à sua personalidade quanto a seu cargo, Balthazar possui um círculo social grande. Seus principais amigos, porém, são:

 Marcelo Dias, seu melhor amigo de infância, dos dias de Brasília e que também se mudou para São Paulo. Trabalha num banco de investimentos. Solteirão, gosta das gandaias e baladas – o que faz com que Ananda tenha uma leve antipatia por ele. Ele faz o estilo “macho-alfa”, gosta de ternos caros, carros potentes, festas grandes, mulheres gostosas e muito dinheiro no bolso.

Procópio Goulart, um amigo de trabalho, mais velho (casa dos quarenta anos), com quem divide seus perrengues e alegrias do escritório e ocasionalmente sai para um happy hour.

Fernando e Beth, um casal de amigos que ele e a esposa conheceram numa viagem à Machu Picchu e com quem sempre marcam programas de casal e viagens. Beth é uma recém-Desperta da Ordem de Hermes, professora de História da Arte e Fernando é um Adormecido que trabalha como diplomata e é metido à sommelier.

Família: Faz cinco anos que os pais dele se mudaram de volta para os Estados Unidos, quando o estado de saúde de sua avó materna piorou e sua mãe quis voltar para ficar com ela. Suas irmãs ainda estão no Brasil, uma delas, Samanta, é uma servidora pública e mora ainda em Brasília e a outra, Alice, está morando também em São Paulo, trabalhando como telejornalista. Ele não possui contato relevante com seus primos, que em sua maioria estão em Minas Gerais e seus avós paternos já falecerem ambos.

Assassinatos: Até agora, Balthazar matou oito pessoas. Segue abaixo uma pequena descrição das vítimas:

O cabelo dele é um pouco mais curto, na verdade.

Fernão Barros, um juiz depravado que protegia criminosos, assediava mulheres e assassinou alguns desafetos – o caso mais famoso sendo um frentista que negou-lhe a vender bebida depois que o comércio do posto havia fechado. Este foi a primeira pessoa que Akalanata matou, em conjunto com seu mentor.

Glauco Achiles, “O Galego”, um traficante amigo do juiz Fernão Barros. Novamente, foi um assassinato executado em conjunto com o seu mentor, quando ambos estavam desmantelando a rede criada por ambos.

Tenente Carvalho, um policial militar que fazia parte do esquema com o Galego e o juiz. Também um assassinato executado quando ele ainda era um pupilo de seu mentor.

Gracília Santos e Rodolfo Santos, as últimas vítimas que matou junto com seu mentor, eram um casal que drogava e abusava de mulheres. Esse foi o ponto de discordância entre os dois: Akalanata não acreditava que a Boa Morte era adequada a eles, que ainda possuíam salvação, mas foi coagido por Alves a executá-los.

Fabiano Castro: um assassino serial, filho de um Senador.

Eduardo Moreno, um vampiro do Sabá.

Godofredo Araullo: a oitava e última vítima (até o momento) de Akalanata é um senhor que sequestrava crianças e as mantinha em cativeiro, abusando delas: ele havia mantido três garotas por mais de dez anos reféns, estuprando-as regularmente. Chegou inclusive a ter uma filha com uma delas, que já estava começando a ser abusada. Este foi um dos casos que mais abalou Balthazar, tanto pela natureza repugnante do ato em si, quanto também por lembrá-lo do que houve com sua filha. Foi o primeiro caso em que tomou a decisão de forma rápida e tempestiva, assassinando o sujeito dois depois de tomar conhecimento do caso. Isso posteriormente causou uma certa crise de consciência nele, por ter sido um assassinato mais passional.

Temas de histórias futuras: alguns temas que combinam com o personagem ou ideias para desenvolvimentos futuros na história pessoal dele.

Limpeza no alto escalão da corrupção – nesse tema, Balthazar é uma força de mudança dentro do cenário, empreendendo uma cruzada pessoal para limpar, pelos meios que forem, a política brasileira, tão corrupta e degenerada.

Auxiliando a Redenção – Balthazar verdadeiramente acredita que algumas pessoas podem ser salvas e não merecem a Boa Morte. Essa seria a hora de por esse credo a prova, conduzindo alguém à Redenção ao invés de passá-la a próxima encarnação.

Aprendendo a ser um Agente do Karma – um dos grandes temas do personagem, da Tradição dele, da Esfera que utiliza e do próprio jogo são as consequências dos próprios atos. Aqui, o personagem aprenderia melhor sobre como lidar com essas consequências, como elas afetam a cada pessoa e a como se tornar ele próprio um agente dessa força.

O Aprendizado do Perdão – a força oposta e complementar ao conceito da Vingança, Karma e Retribuição enraizados no personagem é o Perdão. Por mais que esteja tão empenhado em se tornar parte do Karma, para verdadeiramente Ascender ele precisa aprender também a lidar e conceder o Perdão ao invés da Vingança, entendendo como Perdão e Piedade podem coexistir com o conceito de Retribuição e Consequência sem que um anule o outro.  Compreender esse aparente paradoxo o levaria a Ascensão (ou ao menos o tornaria mais próximo dela), enquanto a falha o deixaria estagnado como um simples – ainda que poderoso – agente da Vingança.