quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Transformando Vampiros em Cadeiras de Jardim e Outras obras de "Alta Mágika"

Este é um texto do Stephan Wieck que aparece no Book of Shadows e que eu acho simplesmente sensacional. Foi ele quem abriu os meus olhos para uma nova forma de enxergar o jogo, parar de me preocupar com abusos e combos de Esferas e olhar mais para a história sendo contada. A outra razão pelo qual eu acho ele tão fundamental é que, uma vez que você entende a mensagem dele e faz essa transição de estilo de jogo e consegue fazer com que os outros jogadores e o Narrador façam também, a mesa muda e Mago passa a mostrar a sua magia. Quando um Narrador sabe que não precisa se preocupar tanto com jogadores fazendo bobagens e passa a relaxar mais, todos ganham. É um texto com já quase vinte anos, mas bastante atual.

"Então, pelo menos podemos concordar que a realidade no Mundo das Trevas é subjetiva?" alguém disse.

Era janeiro de 1993, e Mark Rein Hagen, Chris Early, meu irmão Stewart e eu estávamos a caminho de nos enlouquecermos tentando criar as bases para Mago.

"Sim," disse Mark.

"Sim," disse Chris.

"Sim!" eu disse.

"Sim por enquanto, mas se lembre da Lila," disse Stewart (cuja resposta equivocada levou a uma discussão que mudou o futuro das metafísicas para Mago, mas esta é uma história para outra ocasião).

Então, ao planejar a metafísica, e portanto o sistema de mágika para mago, começamos com a premissa básica de que a realidade é subjetiva e construímos um sistema metafísico que cresceu para englobar maluquices como a Quintessência, o Paradoxo e os Padrões. No final, tínhamos um sistema que certamente não era perfeito (que sistema metafísico é perfeito?), mas era completo o suficiente para ser uma base sólida para um sistema de mágikas e para o próprio conceito de um mago sobre o universo. A partir da metafísica, foi uma consequência natural a definição das Esferas e então finalmente os mecanismos de jogo foram desenvolvidos.

O problema que tínhamos era que o sistema de mágikas original dificilmente sujeitava-se ao equilíbrio de jogo e facilidade para se jogar, sem que isso significasse sacrificar sua fidelidade aos conceitos metafísicos. Eu sempre acreditei que esse tipo era como matar uma história para preservar as regras, algo que a série de jogos de Narrativa sempre repudiou. Mas, como os pioneiros da White Wolf lembraram-me pacientemente (ou melhor, logicamente), Mago ainda era um jogo. No final, houve rotinas e regras e tabelas para que os jogadores e Narradores quase não tivessem chance de perderem a cabeça quando utilizassem o sistema de mágikas.

Mesmo assim, o sistema ainda era incrivelmente flexível, diverso e, como a metafísica em que foi baseado, subjetivo. Estava aberto a interpretações pessoais de cada um que o jogasse. Para alguns grupos, isso pode ser uma maldição que concretiza os maiores sonhos de um jogador louco pelo poder; para outros, isso pode levar àquilo que eu vejo como um passo revolucionário na experiência de narração, pois em Mago os jogadores inevitavelmente tornam-se Narradores auxiliares.

Os magos acreditam realmente que qualquer coisa é possível usando uma combinação de Esferas. Os Narradores descobrirão rapidamente que os jogadores são capazes de criar os tipos mais incríveis de efeitos mesmo com níveis baixos de Esferas. Apenas isso já torna quase impossível planejar uma trama sólida para uma aventura de Mago. É impossível para o Narrador prevere todos os usos da mágika que os jogadores podem tramar ao longo de uma aventura, e então planejar um enredo ao redor disso. Apenas imagine mantes os jogadores de Mago num enredo linear onde o Narrador quer que os acontecimentos X, Y e Z ocorram um após o outro.Os jogadores inevitavelmente chegarão à cena X e então realizarão algum efeito mágiko que fará com que as cenas Y e Z percam todo o seu significado e levará a história numa direção totalmente nova.

Um jogador de Mago escreveu para nós e disse (estou parafraseando aqui) "Como meu mago tem um nível tal e tal na Esfera tal, isso não quer dizer que ele poderia chegar até o vampiro e transformá-lo numa cadeira de jardim?" Agora imagine o pobre Narrador que planejara o inimigo vampiro como sendo fundamental para a história daquela noite. Quando os personagens encontram o vampiro pela primeira vez, um jogador anuncia que seu mago irá transformá-lo numa cadeira de jardim, invocará algumas margueritas e começará uma festa na beira da piscina. Assim acaba a história.

Bem, certamente eu não vou negar que é possível transformar vampiros em cadeiras de jardim em algum nível das Esferas. Mas isso é bom para a história? Alguns argumentam dizendo que o sistema de mágika de Mago é intrinsecamente deficiente por ser tão aberto a interpretações que as sessões de jogos de Mago inevitavelmente acabarão em discussões entre jogadores e Narradores sobre o que está escrito na página 123 contra o que isso acarreta na página 243, etc, etc, etc. Quem consegue se divertir assim?

No final das contas, as pessoas que estão lendo este livro, os jogadores, determinam a qualidade de uma história de Mago. Eu argumento dizendo que a flexibilidade do sistema de mágika não é um defeito, mas sim um dos pontos mais fortes. Ela permite que os jogadores participem do ato de contar uma boa história. Eu não consigo pensar em qualquer RPG que exija tanta criatividade, disciplina e habilidade de narração dos seus jogadores quanto Mago. Tudo, desde pensar quando e que tipo de mágika usar, até combinar Esferas para efeitos novos ou para criar mágikas coincidentes, exige que o jogador seja criativo.

Contudo, mais importante do que um jogador criativo é a disciplina de um jogador. Transformar um vampiro numa cadeira de jardim contribui para o clima ou tema da história? A história ganha sentido ou divertimento devido à ação do personagem? Haverá muitas oportunidades para arruinar o enredo do Narrador. Não faça isso. Isso não é uma ordem para restringir artificialmente seu personagem - sua criatividade determina quão bem-sucedido o personagem será em sobreviver ao mundo de Mago. Mas se você precisa romper o enredo, faça-o de uma maneira que a história seja levada para uma direção ainda mais empolgante ou cheia de suspense. Em Mago, você é mais um Narrador auxiliar que um jogador. A maior parte da emoção de Mago vem da ajuda dos jogadores para criar a saga.

Se o seu Narrador alega que está tendo dificuldade em criar uma história de Mago, então talvez você e os outros jogadores não estejam fazendo o suficiente. O que motiva o seu personagem? Por que razão ele luta? Não espere ser guiado para uma aventura - diga isso para o Narrador na próxima sessão de jogo.

Os planos do seu personagem para procurar os conhecimentos dos Oráculos, ir até a Quimera, ou  o que você desejar. O Narrador pode tramar algo para estragar ou adiar os planos do seu personagem, mas pelo menos você estabeleceu os objetivos de um personagem. À medida que a própria história do Narrador prossegue, você pode incluir a própria história do seu personagem.

Portanto, esta é a mensagem. Em Mago, você não é apenas um jogador, você é um Narrador auxiliar (é incrível o que uma mudança de título pode fazer para a sua perspectiva sobre alguma coisa). Use a versatilidade e o poder do seu personagem para incrementar a história, e não para destruí-la.